Feito cerca de 48 horas depois da morte de João Alberto Freitas em um supermercado da rede em Porto Alegre, o pedido de desculpas do CEO do Carrefour no Brasil, Noël Prioux, foi tardio mas necessário. Até então, havia cometido erros em série na forma de lidar com a tragédia.
Os equívocos do Carrefour não foram maiores do que os de quem invadiu e quebrou lojas, provocando terror em funcionários e clientes.. Isso evidencia que tanto a multinacional de origem francesa quanto cada um de nós temos lições a aprender. Devemos isso a João Alberto, à sua família e a cada cidadão que discriminamos todos os dias.
O Carrefour vinha acumulando episódios negativos em suas lojas. No final do ano passado, houve a morte da cadela Manchinha, agredida por um segurança. Em agosto passado, o espantoso caso do prestador de serviços que morreu em Recife e teve seu corpo coberto por guarda-sóis para não interromper o funcionamento da loja. Devia um freio de arrumação a seus clientes e à sociedade.
Imediatamente depois do espancamento brutal seguido de morte, emitiu notas frias, embora corretas. Na tarde de sexta-feira (20), com várias lojas cercadas por protestos, alguns dos quais descambaram para atos de violência, fez um anúncio muito equivocado: o de que abriria as lojas duas horas mais tarde no dia seguinte "para que neste tempo possamos reforçar o cumprimento das normas de atuação exigidas pela empresa a seus funcionários e empresas terceirizadas de segurança".
A jornalista que assina esta coluna acredita firmemente que é possível aprender a ser antirracista, tanto que está comprometida com esse aprendizado em nível pessoal. Mas não é em duas horas que isso ocorre. Até o assassinato de João Alberto, o Carrefour participava da Iniciativa Empresarial pela Igualdade Racial. Foi desligado de forma unilateral pela entidade. No discurso, o próprio Prioux costumava se manifestar como um líder comprometido com o fim da discriminação.
Não basta discursar, não basta participar de iniciativas politicamente corretas, não basta registrar o Dia da Consciência Negra só em novembro. Todos precisam aprender: o Carrefour, os investidores que premiaram a empresa com uma leve alta nas ações, na sexta-feira (20) em que a média do mercado recuou, os manifestantes violentos, o governo Bolsonaro que leva seu negacionismo até a escravidão, os políticos que se aproveitaram do assassinato para abafar, com carro de som, as manifestações pacíficas do Vidas Negras Importam.
Além de pedir desculpas, o Carrefour anunciou, no sábado, que vai criar um comitê para combater o racismo estrutural. Sim, foi pressionado pelos fatos e pela sociedade. Mas agiu, tardiamente e depois de errar muito. É hora de cada um de nós, ainda que com atraso, fazermos o mesmo.