Na reviravolta final do negócio que envolve duas univeridades gaúchas, o desfecho não poderia ser mais inesperado: na manhã desta sexta-feira (30), foi anunciado um acordo extrajudicial para encerrar a longa novela.
Pelos termos definidos, a Ânima leva a maioria das instituições da Laureate no Brasil, mas as duas universidades gaúchas que estavam neste guarda-chuva, UniRitter e Fadergs, serão adquiridas pela Ser Educacional. O valor dessa compra não foi informado.
Em fato relevante publicado nesta sexta-feira (30), a Ser Educacional informa que "no melhor interesse do mercado de ensino superior brasileiro", foi assinado um acordo extrajudicial com desistência dos processos judiciais e aceitação de pagamento da multa de R$ 180 milhões, que poderá ser convertido na compra de duas instituições de ensino da Laureate, a Faculdade Internacional da Paraíba (FPB) e Centro Universitário dos Guararapes (Unifg) até dia 4 de novembro.
Para os gaúchos, o que mais chama atenção é a cláusula do acordo que prevê o direito da Ser Educacional de adquirir a 100% da UniRitter e da Fadergs, além do Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação (IBMR), mantenedora do Centro Universitário Hermínio da Silveira. Isso significa que o grupo fundado pelo ex-engraxate Janguiê Diniz vai entrar no mercado de ensino superior privado do Rio Grande do Sul. O acordo evidencia a importância que essa possibilidade representa no negócio.
A Ser Educacional afirma que "as instituições de ensino Unifg, FPB, IBMR, UniRitter e Fadergs possuem marcas fortes, com sólida base de alunos e reconhecidas pelo mercado em suas regiões de origem, contando com infraestrutura diferenciada e qualidade acadêmica". Também avalia que essas instituições têm "potencial de crescimento nos segmentos de ensino presencial, à distância e educação continuada, tornando-as aderentes a sua estratégia de crescimento no mercado de ensino superior brasileiro".
A Ânima Educacional também publicou fato relevante em que confirma as condições do acordo, inclusive a transferência das universidades gaúchas para a Ser Educacional: "a Ânima Educação concede à Ser, uma opção de compra (...) que poderá (...) ser exercida no prazo de 60 dias contados a partir de 29/10/2020, prorrogáveis por solicitação de qualquer das Partes por no máximo 15 dias de 100% das quotas das sociedades mantenedoras" da UniRitter, da Fadergs e do IBMR.
PARA ENTENDER
É essencial compreender que a disputa ocorre entre gigantes do ensino privado, com ações negociadas na bolsa de valores. Por isso, toda a comunicação do processo é vigiada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que disciplina essas companhias. Os envolvidos evitam fazer comentários além dos fatos relevantes que são obrigados a publicar.
OS ENVOLVIDOS NA DISPUTA
Quem vendeu
A Laureate no Brasil tem cerca de 50 campi em 13 cidades de sete Estados e mais de 500 centros de ensino à distância. No primeiro trimestre deste ano, tinha 267 mil alunos, 82% dos quais na modalidade presencial e com mais de 800 em cursos de medicina. No Rio Grande do Sul, é dona da UniRitter e da Fadergs.
Quem vai comprar
1. Ser Educacional: vai ficar com UniRitter e Fadergs. Foi criada em 1994, como curso preparatório a concursos, tem cerca de 50 instituições concentradas no Norte e no Nordeste, das quais a mais conhecida é a Uninassau. Tem 184,8 mil alunos e receita de R$ 1,75 bilhão. É controlada por Janguiê Diniz, ex-engraxate que foi procurador do Trabalho (leia aqui entrevista com o empresário).
2. Ânima: vai ficar com as demais instituições de ensino da Laureate no Brasil. Tem cerca de 115 mil estudantes matriculados em cursos presenciais em campi em Minas Gerais, São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Goiás, Bahia e Sergipe. Uma de suas escolas mais conhecidas é a São Judas Tadeu, de São Paulo, sem relação com a instituição de ensino de Porto Alegre. É dona da HSM, de educação e eventos corporativos e tem parceria com a Singularity University, do Vale do Silício. Tem três sócios, entre os quais Daniel Castanho, líder do movimento #nãodemita (leia aqui entrevista com o empresário)
A LINHA DO TEMPO
Meados de julho: o grupo Ser Educacional publica fato relevante em que informa sobre a disposição de compra da Laureate no Brasil. Fontes do mercado apontam interesse também da Cruzeiro do Sul, que não tem ações negociadas na bolsa.
13 de setembro: em comunicado conjunto, em pleno domingo, Laureate e Ser Educacional informam ter fechado acordo de venda por R$ 4 bilhões, dos quais R$ 1,7 bilhão seriam pagos em dinheiro.
14 de setembro: como o acordo anunciado na véspera tem cláusula que permite à vendedora avaliar ofertas maiores, a Yduqs (ex-Estácio) anuncia que tem interesse em fazer uma "proposta melhor".
7 de outubro: uma semana antes do prazo final, dois grupos além da Ser Educacional apresentam propostas, a Yduqs e a Ânima. Como a Laureate tem forte presença em São Paulo, ambas aceitam se desfazer de parte dos negócios para evitar restrições por concentração de mercado.
21 de outubro: a Laureate afirma que a melhor oferta é a da Ânima, mas a Ser Educacional entra na Justiça e consegue uma liminar contra o fechamento do negócio com a concorrente.
27 de outubro: a Ânima comunica que a Laureate aceitou sua proposta de R$ 4,4 bilhões, dos quais R$ 3,8 bilhões em dinheiro, R$ 623 milhões em dívidas que vai assumir, e mais potenciais R$ 203 milhões relativos a vagas em cursos de Medicina pendentes de aprovação.
28 de outubro: a Ser Educacional informa que a liminar que havia obtido foi revogada, mas "a questão relativa ao válido exercício do direito de go-shop será discutida por meio de arbitragem" e que "se mantém certa de seus direitos e tomará todas as medidas cabíveis para garantir o efetivo cumprimento" do acordo.
30 de outubro: a Ser Educacional anuncia o fim de disputas jurídicas e arbitrais, e que terá direito de compra das duas universidades gaúchas, além de uma instituição carioca.