Uma das longas novelas do Rio Grande do Sul teve desfecho (espera-se que seja feliz) em plena pandemia. A usina térmica a gás de Uruguaiana, que foi inaugurada em 2001 e funcionou por apenas sete meses por falta de fornecimento de gás, foi vendida para a argentina Saesa.
Sem revelar o valor do negócio com a americana AES, por ser "confidencial", o presidente da Saesa, Juan Bosch, disse à coluna que o plano é colocar a usina em operação entre seis e nove meses por ano, fora do período de inverno, quando falta gás para calefação na Argentina e falta água para gerar energia em hidrelétricas no Brasil.
– Vínhamos estudando esse ativo há bastante tempo, e acreditamos que é possível operar em muitos momentos do ano em que a Argentina tem gás disponível. Não durante o pico de inverno, quando não só não sobra gás, como a Argentina importa por GNL (gás natural liquefeito) – afirmou o presidente da Saesa.
Conforme Bosch, equipes da Saesa já estão em Uruguaiana para assumir o comando da usina, em contato com as equipes que estavam trabalhando na manutenção:
– Temos relatos de que os equipamentos estão em muito boas condições. Apesar de estar em plena quarentena, conseguimos chegar e o que encontramos é uma equipe muito sólida, que fez um trabalho muito bom. O ativo está muito bem preservado.
A usina no Rio Grande do Sul é o primeiro grande ativo físico da Saesa, que atuava até agora apenas na comercialização de gás e de energia elétrica. Também é o primeiro investimento da empresa fora da Argentina. Fora esse, a empresa só tem centrais solares instaladas em prédios de clientes para os quais fornece energia desse autoabastecimento. É uma forma alternativa à autoprodução incentivada que existe no Brasil. Quem faz o investimento, nesse caso, é a Saesa. Segudo Bosch, a empresa pretende trazer esse modelo para o Brasil.
– Somos uma empresa que há 14 anos se dedica à comercialização de gás natural e energia elétrica, tradicional e com foco especial, com fontes renováveis. Até agora, só operávamos na Argentina. Decidimos internacionalizar em 2019. Primeiro vamos abrir a países vizinhos, e pretendemos chegar à Europa até o final do ano. Nossa visão é buscar mercados onde os excedentes de enegia argentinos possam agregar valor.
Como lembrou Bosch, por pouco a usina não foi simplesmente desmantelada. O que mudou nos últimos anos na Argentina e permitiu o negócio foi o início da produção de gás natural não convencional das reservas de xisto no país, especialmente Vaca Muerta.
– O mercado de gás na Argentina teve muitas mudanças. Entre 2016 e 2018 houve aumento importante na produção de shale gas. Entre o final de 2018 e 2019, surgiram dúvidas sobre o regime legal aplicável, e os investimentos frearam. É preciso rever o marco regulatório, mas outro gargalo é a demanda de verão. Se aumentarmos o uso do gás no verão, e Uruguaiana é uma resposta a isso, viabiliza mais investimentos na produção de gás na Argentina.
Sobre uma grande expectativa dos gaúchos, de que a volta à operação da unidade permita projetar a construção de um gasoduto entre Uruguaiana e Porto Alegre, Bosch é cauteloso:
– É possível e poderia ter sentido. A operação da CTU (Central Térmica Uruguaiana, como a Saesa rebatizou a usina) é uma condição necessária para o gasoduto até Porto Alegre, mas não suficiente. O primeiro passo foi comprar e qualificar o conjunto, que não é só uma usina, tem um gasoduto que atravessa toda uma província argentina e linhas de tranmissão para conexão com o sistema elétrico. Uma vez que alcancemos esse objetivo, vamos observar a comercialização de gás no Brasil. Falar em expansão de gasoduto até Porto Alegre agora é prematuro.
Conforme Bosch, foram investidos US$ 10 milhões na manutenção da CTU e serão necessários entre US$ 2 milhões e US$ 3 milhões para recolocá-la em operação.