Em novembro de 2016, a distribuidora de energia Celg, de Goiás, foi privatizada em situação muito semelhante à da CEEE, que teve sua venda aprovada na semana passada pela Assembleia. Com enorme prejuízo e sob risco de perda da concessão, a estatal que era do governo estadual teve de ser federalizada para não quebrar. Foi vendida depois de ser absorvida pela Eletrobras. Avaliada em R$ 4,5 bilhões, teve dívida de R$ 2,65 bilhões repassada ao comprador, que pagou
R$ 2,1 bilhões, com ágio de 28% sobre o preço mínimo. Ana Carla Abrão, secretária da Fazenda de Goiás na época, diz que se orgulha do trabalho de preparação do negócio e avalia ser possível fazer algo parecido na companhia gaúcha.
Qual foi a polêmica da dívida da Celg?
Como toda privatização tem críticas, o que hoje levantam é que a empresa que comprou (a estatal italiana Enel) não investiu tudo que deveria. Investiu quatro vezes mais do que a média dos últimos cinco anos, o serviço ainda tem muitas críticas. Mas os números mostram patamares que a Celg não via há muitos anos. Se há algo que me orgulho de ter feito em Goiás é a privatização da Celg. Salvamos a companhia de perder a concessão, tem hoje uma gestão profissional que trabalha para melhorar o serviço para o consumidor goiano e trabalha para acabar com o gargalo de infraestrutura que vinha pesando para Goiás. O mesmo pode ocorrer no Rio Grande do Sul, a partir de um desenho que favoreça o investimento, que seja um investimento a favor dos cidadãos e do Estado.
Como foi possível incluir a maior parte do passivo da empresa na venda?
Com todo o passivo que tinha, a Celg não valia nada, era uma empresa falida. Para viabilizar a venda, parte da dívida que a Celg carregava, contraída antes da federalização, foi assumida pelo Estado de Goiás. Era uma dívida da qual o Estado já era avalista e cuja garantia já era a receita do Estado. O Tesouro concordou porque não aumentaria o endividamento do Estado, nem o da União, pois a dívida já estava contabilizada para Goiás.
A Celg foi avaliada em R$ 4,5 bilhões, e carregou para o leilão uma dívida de R$ 2,65 bilhões. Por isso, foi vendida por R$ 2 bilhões. A empresa que comprou está renegociando a dívida.
Quanto do total da dívida foi privatizado com o ativo?
A Celg foi avaliada em R$ 4,5 bilhões, e carregou para o leilão uma dívida de R$ 2,65 bilhões. Por isso, foi vendida por R$ 2 bilhões. A empresa que comprou está renegociando a dívida. Ficaram com a Enel débitos trabalhistas, previdenciárias, com bancos. A dívida com ICMS havia sido renegociada, porque seria preciso enviar lei à Assembleia aprovar o perdão da dívida ou um refinanciamento para a empresa que assumir. Na Celg, apesar da renegociação, estava atrasando todo mês, tanto a renegociação, quanto o ICMS do mês. O Estado estava em situação tão difícil que teria de deixar de pagar a folha e informar que isso ocorria porque a Celg não pagava o ICMS, o que do ponto de vista do leilão seria um desastre. A Eletrobras fez aporte para a Celg poder regularizar. Vocês gaúchos estão em um estágio mais à frente, porque a CEEE já não paga (a dívida de ICMS da CEEE é avaliada em R$ 1,5 bilhão).
Então é possível repassar ao menos parte do passivo junto com o ativo?
Com certeza, tudo depende da modelagem. O BNDES fez com o IFC, que contratou duas assessorias independentes para avaliar a empresa e indicar o tamanho do ativo, do passivo, o que tinha de sair, o que tinha de ficar. O valor chegou a R$ 4,5 bilhões por incluir ativos intangíveis, como a perspectiva de crescimento do Estado, o fluxo de caixa descontado para entender o valor líquido da empresa nos próximos 10 anos. E tem o valor da concessão, um ponto muito importante na hora de modelar. A Celg estava muito perto de perder a concessão, houve negociação com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e com o Ministério de Minas e Energia para garantir que seria renovada apesar de a estatal estar em um processo de deterioração. Tudo teve de ser muito amarrado. Obviamente, o comprador queria garantir que o contrato de concessão seria renovado, imagina comprar uma empresa quebrada, com todos os indicadores ruins, para dois meses depois a Aneel barrar a concessão. É isso que tem valor.
São muito parecidos (os casos de Celg e CEEE), as empresas foram deterioradas ao longo do tempo. As pessoas falam 'mas a Celg foi vendida para uma estatal italiana', mas é uma estatal que tem gestão muito profissional, é muito diferente.
Os casos da Celg e da CEE são muito semelhantes?
São muito parecidos, as empresas foram deterioradas ao longo do tempo. As pessoas falam 'mas a Celg foi vendida para uma estatal italiana', mas é uma estatal que tem gestão muito profissional, é muito diferente. Infelizmente,
a maior parte das nossas estatais, pelo menos as regionais, são ou foram geridas como balcão de negócios, com influência política, por isso acumularam dívidas absurdas.
Mas há um processo de investigação em curso em Goiás?
Sim, inclusive fui convocada para depor em uma CPI (comissão parlamentar de inquérito) criada lá. A transferência da dívida para o Estado é a grande crítica feita à privatização pelo governo atual. O Estado assumiu a dívida de R$ 2 bilhões e recebeu R$ 800 milhões. Mas essa dívida já existia. Pode-se questionar o que foi feito com o valor recebido. É uma irresponsabilidade o que foi feito com o dinheiro da Celg. No lugar de abater a dívida, ou investir de forma mais eficiente, foi aplicado de maneira incorreta quando eu não estava mais lá, então não respondo por isso. O Estado de Goiás recebeu R$ 800 milhões, que poderia ter utilizado de forma melhor. A negociação com o Tesouro foi de que o dinheiro seria utilizado para investido, como tem de ser, porque é receita de capital, e o ágio, para abater a dívida. Infelizmente, nem essa parte do acordo foi cumprida, o Estado não abateu dívida com ágio. Se for feita uma costura correta, um leilão que gere atratividade, não tem por que não fazer. A outra alterativa é uma empresa quebrada, sem concessão e sem prestação de serviço.