Com leve baixa no dólar e mesmo comportamento na bolsa, o mercado financeiro trata a ameaça de renúncia do ministro da Economia, Paulo Guedes, como pressão para que o Congresso aprove a reforma da Previdência, ou seja, como uma espécie de blefe. A expressão é mencionada por analistas que pedem para não ter seus nomes citados. Os mais alinhados à estratégia do ministro ponderam que é uma forma de enfrentar a resistência e a chantagem de parlamentares. Os mais críticos veem risco quase tão grande no blefe do que no risco real de saída do fiador da adesão do presidente Jair Bolsonaro ao liberalismo econômico.
Até o final da manhã, o dólar recuava 0,5%, enquanto o Ibovespa, mesmo diante da incerteza aberta por outra renúncia – essa de fato –, a da primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, declinava escassos 0,08%.
A indagação que a entrevista concedida à revista Veja suscita é: se o cargo já entrou em questão, o que resta para Guedes negociar? Sem contar a dificuldade de projetar comportamento semelhante em antigos ocupantes do cargo, tanto do ortodoxo Pedro Malan quanto do contestado Guido Mantega. O ministro já havia feito antes essa advertência, quase nos mesmos termos:
– Eu não sou irresponsável. Eu não sou inconsequente. Ah, não aprovou a reforma, vou embora no dia seguinte. Não existe isso. Agora, posso perfeitamente dizer assim: ‘Olha,
já fiz o que tinha de ter sido feito. Não estou com vontade de ficar, vou dar uns meses, justamente para não criar problemas, mas não dá para permanecer no cargo’.
Esses termos haviam sido usados na posse do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em 13 de março. Depois, em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, em 26 de março, voltou a mostrar disposição de deixar o cargo:
– Agora se ou o presidente ou a Câmara, ninguém quer aquilo, eu vou obstaculizar o trabalho dos senhores? De forma alguma, voltarei para onde sempre estive.
Desta vez, subiu o tom, acrescentando:
– Pego o avião e vou morar lá fora.
Por via das dúvidas, vieram declarações conciliatórias tanto de grandes instituições financeiras como até do próprio Bolsonaro. O Itaú divulgou a informação de que, diante de novas informações, situa agora a economia com a reforma da Previdência entre R$ 700 bilhões e R$ 900 bilhões. A projeção anterior equivalia à "reforminha" diante da qual Guedes renunciaria: R$ 550 bilhões. A nova cifra fica exatamente dentro dos limites de tolerância do ministro. O presidente, que teve suas hesitações diante da necessidade de acelerar a reforma expostas por Guedes, recitou:
– Sem a reforma da Previdência, não podemos sonhar com outras metas.
Terá, de fato, sido convencido, desta vez? É bom lembrar que, durante a campanha eleitoral, a incompatibilidade de agendas de Guedes e Bolsonaro provocou especulação de que o ministro duraria seis meses no cargo. Faltam 37 dias.