Habituados a surpresas patrocinadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) cada vez com mais frequência, os brasileiros tiveram de alargar o espaço para o espanto nesta quarta-feira (20). Em uma decisão, o ministro Marco Aurélio Mello mandou soltar todos os presos com base em condenação em segunda instância, tema debatido por duas vezes no pleno da suprema corte. Em outra, Ricardo Lewandowski determinou o pagamento de reajuste a servidores da administração pública federal, que havia sido adiado, para o próximo ano.
O que mais surpreende, no caso de Marco Aurélio, é o fato de a decisão ter sido tomada depois de marcada a sessão do pleno do STF para analisar a questão de modo definitivo,
o que vinha sendo adiado ao longo de todo 2018. A alegação de que o tema vinha sendo evitado, portanto, não cabe mais.
O tema é controverso, porque a Constituição estabelece prisão apenas depois de o processo transitar em julgado, o que em bom português significa depois de esgotadas todas as oportunidades de recurso. O problema é que esse dispositivo com vocação garantista, à luz do país recém-redemocratizado, aplicado ao Brasil da Lava-Jato, equivale à percepção de impunidade.
A grande maioria dos brasileiros se solidarizou com o STF quando soube da existência de um vídeo em que Eduardo, um dos filhos do presidente eleito, Jair Bolsonaro, afirmava que só precisava de "um cabo e um soldado" para fechar a suprema corte do país. Houve desculpas pela "brincadeira infeliz" do filho, aparentemente aceitas. Depois de uma eleição tensa, o Brasil buscava normalidade democrática no final do ano. Foi sacudida por decisões monocráticas que desafiam o senso comum e a tolerância dos brasileiros. Parecem ter decidido testar sua popularidade nos voos de volta para casa neste final de ano.