Presidente da Associação Brasileira das Empresas de Geração de Energia Limpa (Abragel), o gaúcho Ricardo Pigatto está desolado com o fracasso nas negociações para que a Shanghai Electric assumisse as obras do Lote A. Além do destravamento de R$ 4 bilhões em transmissão, projetava a liberação de R$ 11 bilhões em projetos de parques eólicos. Agora, avalia que a melhor solução para a relicitação do reforço ao sistema elétrico (1,9 mil quilômetros de linha de transmissão, oito novas subestações e 14 ampliações em subestações) é seu fatiamento em lotes menores, que possam ser feitos ao mesmo tempo por diferentes investidores, para reduzir o severo impacto do atraso nas obras. Pigatto teme até que, sem providências emergenciais, exista risco de apagão no próximo verão.
Quais as consequências do fracasso nas negociações para as obras do Lote A?
Enfrentaremos restrições sérias .No planejamento do sistema interligado nacional, quando a Eletrosul criou uma linha de transmissão exclusiva para levar a geração dos parques eólicos de Santa Vitória do Palmar, fez com que todas as grandes subestações da Metade Sul, como Povo Novo, Camaquã e Pelotas, ficassem comprometidas. Isso agravou um congestionamento de elétrons que já existia. Deixou o sistema do sul do Estado ainda mais instável, com maior risco. O Lote A era uma alternativa para escoar energia de outras fontes. Se o Rio Grande do Sul pudesse operar com tolerância ao risco mais alta, ainda seria possível abrir algum espaço, mas o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) determina níveis baixos de risco. Havia uma reserva que acabou ocupada com parque eólico na região. O grande centro de transmissão, que liga o sistema do Estado ao resto do país, ficou ainda mais congestionado. Não será possível ligar novos projetos de geração ao sistema tão cedo.
O Lote A era uma espécie de rodovia paralela a uma estrada congestionada?
O que o Lote A fazia era criar uma alternativa de escoamento para o Rio Grande do Sul. É por isso que o desenho é maluco. O tamanho do Lote A mostra o tamanho do risco de a obra não ser realizada. No verão passado, o RS importou mais de 40% de energia que consumiu. Se houvesse o crescimento que se esperava, estaríamos beirando o apagão no próximo verão. O que evitou foi a recessão. E provavelmente ainda evite, se tivermos a sorte de ter boa hidrologia (muita chuva) no verão e vento bom. Esse problema ocorreria mesmo com o acordo, mas o combinado com o ONS era de gargalos mais graves seriam resolvidos antes. Agora vamos ter de conviver com esse problema por mais cinco anos.
Por que não deu certo?
O que se sabe é que a avaliação econômico-financeira não atendia aos parâmetros que as empresas chinesas tinham.
Há algo a fazer para reduzir o risco?
A expectativa é de que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) agora inclua no leilão de 20 de dezembro não um pacote gigante, como foi feito lá atrás. Agora, o melhor é fatiar o Lote A . Assim, seria possível prever prazos mais curtos, com trechos menores que possam ser feitos de forma concomitante. Se fizerem lotes menores, as obras podem ser feitas com mais rapidez e em paralelo. O que se espera agora é que não seja simplesmente republicado o edital anterior do Lote A.
Há risco de não haver interessados?
É muito raro não ter interessado. Agora, quem está vindo com tudo são os indianos. Ganharam metade do mais recente leilão de transmissão, com descontos de 50% a 70% da RAP. O fluxo de caixa no segmento de transmissão é muito previsível e tem baixíssimo risco, salvo o Lote A, que tinha muita interferência (imprevistos nos custos provocados por necessidade de compensação ambiental ou desapropriação de áreas, não cobertos pelos contratos). As taxas de juro costumam ser baixas por conta disso. E o Brasil é um dos poucos países a incorporar a inflação. Há correção anual pelo IPCA.