Em 2016, nesta coluna, o economista Samuel Pessôa, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) focado em contas públicas deu o alerta: se o Brasil não tomasse providências para equilibrar as finanças, em três anos estaria na situação do Rio Grande do Sul, com atraso em pagamentos e dificuldades para manter serviços públicos básicos. A discussão sobre a regra de ouro levantada há cerca de 10 dias confirmou a tese. Foi suscitada pela previsão de que, para 2019, faltam R$ 200 bilhões para fechar as contas federais. O sinal de que o Planalto estudaria suspender a regra pesou na decisão da Standard & Poor's, que rebaixou a nota de crédito do Brasil na quinta-feira à noite, e cortou o rating de estatais, bancos e empresas privadas no dia seguinte. Otimista, Pessôa avalia que a campanha eleitoral deste ano pode encaminhar a discussão sobre como a sociedade quer resolver esse problema, com mais impostos ou mais privatizações. Não fazer nada, adverte, equivale a caminhar para a autodestruição.
A discussão sobre a regra de ouro parece confirmar sua previsão de que, sem tomar medidas para equilibrar as finanças, o Brasil seria o RS até 2019. É esse o alerta do debate?
Esse foi o grande mérito da regra de ouro. Mobilizou para o fato de que alguma coisa vai acontecer em 2019. Se não houvesse a regra, não estaríamos discutindo esse problema. Uma das funções desses mecanismo de controle é chamar a atenção da sociedade para os problemas. Não estamos, o tempo todo, olhando para os problemas. É importante ter mecanismos que acionem alarmes, mostrem para a sociedade que há um problema.
A situação é tão drámatica quanto a indicada pelo debate?
Sim. As contas sugerem que, em 2019, a regra de ouro vai ser violada em R$ 200 bilhões.
É uma quantidade imensa. Como se faz para 'achar' R$ 200 bilhões no orçamento público? Ou tem de fazer várias reformas para cortar gastos, ou aumentar muito os impostos ou privatizar o que tiver de privatizar. E também pedir para os bancos públicos, especialmente o BNDES, para acelerar os repagamentos de créditos que o Tesouro tem contra os bancos públicos. Esses recursos podem ajudar a aliviar o risco à regra de ouro.
É o que deve ocorrer neste ano, mas não há risco na solução para 2018?
Acho que não. A violação da regra de ouro neste ano criminaliza o próprio presidente. É crime de responsabilidade. A transgressão criminaliza toda a linha de comando ligada à execução do orçamento – presidente, ministro e os secretários das áreas específicas.
Há expectativa de que o BNDES pague R$ 130 bilhões, mas o banco dá sinais contraditórios sobre o desembolso...
Depende da interpretação. O dispositivo constitucional da regra de ouro prevê que, se o Congresso aprovar, por maioria absoluta, créditos suplementares ou especiais, a regra de ouro pode ser violada. O BNDES parece entender que uma simples dotação orçamentária permitiria contornar a regra de ouro para 2018. A partir disso, não vê motivos para ter de devolver muito. A Fazenda entende que créditos suplementares ou especiais são para excepcionalidades, e têm de ser pequenos. Não pode pedir ao Congresso um crédito de R$ 200 bilhões para algo que não estava previsto do Orçamento. Por outro lado, não pode mandar orçamento com previsão de R$ 130 bilhões ou R$ 200 bilhões de furo na regra de ouro. Créditos especiais, suplementares ou extraordinários são para casos específicos, não para caso de buraco estrutural no orçamento.
É preciso criar uma maneira civilizada, madura, de enfrentar o problema fiscal.
O sinal de suspensão da regra de ouro pode ter precipitado o rebaixamento do Brasil?
O rebaixamento viria de qualquer jeito. Quando houve o desastre político de 17 de maio, com a divulgação das gravações e a tramitação da Previdência engasgou, o rebaixamento já estava definido. Essas discussões de agora não fazem tanta diferença.
Há avanço na discussão de uma solução estrutural para o buraco estrutural?
Desde que falamos sobre o risco de o Brasil ficar como o RS, o tema amadureceu na sociedade. Antes, o problema não estava claro para as pessoas. Hoje, está. Mesmo as pessoas que não querem voltar a favor da reforma da Previdência em fevereiro não dizem que não votam porque não há problema. Todo mundo sabe que vai ter de votar uma reforma da Previdência. O que alegam é que não tem legitimidade, tem de esperar eleição. A reforma da Previdência vai vir, ou agora em fevereiro ou em um ano. Nesse sentido, houve um grande avanço. O tamanho do problema estrutural é que precisamos de um superávit primário de 2% do PIB. Estamos com déficit ao redor de 2%. Então, precisamos fazer um ajuste de 4 a 5 pontos no PIB. É possível que entre um terço e um quarto se resolva com o ciclo econômico, normalizando a economia, volta algo de arrecadação. Aí vira 3,5% a 4% do PIB.
A reforma da Previdência resolve?
É uma parte importante, possivelmente a mais importante do ajuste fiscal estrutural, mas não é a única. Vai haver uma discussão, ao longo desse ano, que é como vai fazer ajuste. Aí imagino que a esquerda vai vir com uma agenda de maior carga tributária, e a centro-direita, com uma agenda de maior privatização, alguma redução do tamanho do Estado. Tudo isso tem nuances, imagino que o debate vai tender a caminhar mais para posições de centro. Candidaturas como a de Bolsonaro vão encolher rapidamente. Será um debate de alto nível, civilizado, quem vai desenhar o Estado brasileiro, se com mais imposto, com mais redução de gasto.
É possível apostar em um debate de alto nível em uma eleição tão conturbada?
Essa é a discussão que a gente quer ver. Mas essa loucura de nem se vota medidas para aumentar a carga tributária nem para redução do gasto público, de não fazer nada e deixar a dívida explodir não faz sentido. É irracional. Não fazer nada é deixar a sociedade caminhar para a autodestruição. É preciso criar uma maneira civilizada, madura, de enfrentar o problema fiscal. Acredito que a conversa vai se encaminhar na linha da racionalidade.