A polêmica reforma tributária nos Estados Unidos, criticada por favorecer as empresas locais, foi até agora a tradução prática do "America first" de Donald Trump. Favorecer as empresas locais vai impactar as demais, constata Fernando Giacobbo, sócio da PwC Brasil. Como o efeito líquido da reforma é reorientar fluxo financeiro para os EUA, favorecendo envio de lucros de multinacionais americanas no Brasil, onerando brasileiras que atuam nos EUA e aumentando a concorrência das exportadoras, o especialista pondera que pressiona por uma reforma tributária também no Brasil. Embora a complexidade e as superposições do sistema brasileiro tenha consagrado a expressão "cipoal tributário" e a necessidade de mudança seja consenso, esse é um objetivo de três décadas que nunca conseguiu avançar. Mas a pressão cresce justo em um dos momentos mais complexos, em que déficits profundos desequilibram as finanças. Se foi difícil fazer reformas em tempos mais favoráveis, agora há ainda mais obstáculos. O custo de protelar ainda mais, adverte Giacobbo, será "assistir a vários países, desenvolvidos ou não, líderes mundiais ou não, se reinventarem, enquanto assistimos de longe".
Qual é o maior impacto para o Brasil da reforma tributária nos EUA?
Os efeitos provocados pela reforma tributária nos EUA pressionam por mudanças no Brasil. A mudança é a mais profunda em legislação tributária no EUA há mais de 30 anos. A redução da alíquota de imposto de renda federal cai de 35% para 21%, o que leva a ganho de competitividade. Uma empresa nos nos EUA, sem considerar custo de matéria-prima, mão de obra, estará sujeita a alíquota de 21% de imposto de renda federal mais até 5% de imposto de renda estadual. Lá, parte é do governo federal e parte compete ao Estado onde a empresa se localiza. No Brasil, a a alíquota de imposto de renda combinada à contribuição social sobre o lucro (CSLL) é de 34%. São nove pontos percentuais a menos lá. A reforma lá traz ainda a possibilidade de, na aquisição de ativos operacionais, deduzir o imposto integral no momento da aquisição. O habitual é deduzir esse custo ao longo de 10 anos. Não é redução de carga, mas gera efeito positivo no fluxo de caixa.
Qual o impacto para empresas que atuam no Brasil?
Até o final do ano passado, multinacionais americanas com subsidiárias no Brasil só tinham lucros tributados nos EUA na medida em que eram enviados para lá. Agora, ganhos gerados fora não serão mais tributados nos EUA. No entanto, todo lucro obtido até a mudança está sendo tributado, tenha sido repatriado ou não, por alíquotas menores à anterior. Até o final de 2017, quando uma subsidiária de multinacional enviava lucros, pagava 35% de imposto. Agora, esse estoque não repatriado está sendo tributado. A alíquota vai de 8% a 15,5%, dependendo do negócio. Pode ser pago em até oito anos, sem juro e sem correção. Isso incentiva a repatriação de lucros, o fluxo para os EUA. Se antes a empresa financiava a operação nos EUA e tinha lucros não repatriados no Brasil, agora tende a mandar dinheiro daqui para os EUA. Entre a redução da alíquota, a possibilidade de deduzir todo o custo de aquisição de equipamentos no mesmo e o incentivo à migração de recursos de fora para dentro dos EUA, investimentos devem ser revistos.
Como afeta as multinacionais brasileiras nos EUA?
A redução no imposto de renda será neutralizada, porque o lucro da unidade americana será tributado no Brasil. Antes, pagavam 35% de imposto lá, e 34% aqui. O Brasil aceita o crédito tributário do imposto pago nos EUA até o limite do devido no Brasil. Agora, pagará 21% sobre o lucro nos EUA, mas a diferença entre os 21% de lá e os 34% daqui vai pagar no Brasil.
Vai inibir exportação?
Na medida em que empresas que produzem nos EUA a mesma coisa que as brasileiras vendem lá consigam ter mais competitividade, pode fazer com que a exportadora brasileira enfrente mais competição de produtos nacionais americanos. Além disso, foi criado um novo imposto, o Beat...
Beat (bate, em português)?
É, não é só o Brasil que é o país da piada pronta. O Beat (base erosion and anti-abuse tax, ou imposto sobre erosão da base e anti-abuso, criada sob a justificativa de inibir envio de dinheiro para o Exterior com objetivo de reduzir a incidência de impostos) tem objetivo de prevenir a erosão da base tributável nos EUA. Uma subsidiária brasileira nos EUA que contrate serviços no Brasil de empresas do mesmo grupo poderá ter carga tributária adicional.
Afeta mais Índia e China?
Exato. É um jeito de dizer que a Índia já tem se movimentado bastante. Para eles, é uma indústria, é como a 'maquila' no México. No Brasil, não chega a ser pilar da economia.
Apesar da pressão adicional, é realista esperar uma reforma tributária no Brasil?
A reforma nos EUA focou no imposto de renda, até porque, impostos indiretos são inexpressivos lá. No Brasil, a carga de imposto de renda é alta, mas a maior parte decorre de tributos indiretos. Temos PIS, Confins e IPI, federais, e ICMS, estadual. São muitas partes envolvidas para vislumbrar sucesso na simplificação ou em mudança estrutural do sistema no Brasil. Mas como a reforma tributária dos EUA, maior economia mundial, pode aumentar a competitividade do setor produtivo local e o fluxo de recursos financeiros para os EUA, será um fator adicional à aceleração da revisão.
Quando seria viável esperar, a partir de 2019, com um governo recém-eleito, com legitimidade?
Existem muitas iniciativas técnicas. O ambiente pré-eleitoral não favorece reforma no curto prazo. Os EUA deram prova de que, quando há ambiente político favorável, é possível fazer reformas importantes em pouco tempo. Em menos de um ano, implementaram uma reforma profunda apesar da polaridade entre republicanos e democratas. Se tivermos ambiente favorável, poderemos ver algo semelhante ocorrer no Brasil.
O desequilíbrio fiscal no Brasil, que não se resolve a médio prazo, não é um obstáculo?
Os EUA têm problema semelhante. Uma das principais críticas à reforma era a renúncia fiscal e o aumento do endividamento do setor público. Vislumbram o aumento na atividade econômica como forma de compensar a renúncia fiscal imediata. E há exemplos, como o da Apple, que anunciou na semana passada a repatriação de alto volume de recursos, além de investimento nos EUA como poucas vezes se viu.
Simplificação sem mexer na carga ajudaria?
Simplificar seria uma alternativa paliativa, mais factível no curto prazo.
A combinação de PIS e Cofins em um único tributo seria um ganho.
Isso não foi tentado, mas suspenso por conta do temor de elevação de carga?
Sempre que se fala de qualquer mudança, no receio de que possa resultar em perda imediata de arrecadação, acaba se colocando alíquota muito elevada. Espero que esse cenário mude, senão vamos assistir a vários países, desenvolvidos ou não, líderes mundiais ou não, se reinventarem, enquanto assistimos de longe.