Com a entrada em vigor do novo regramento da tributação do ICMS para operações interestaduais e a confirmação do fechamento da unidade da Souza Cruz em Cachoeirinha - a empresa apontou o "aumento excessivo de impostos" como uma das causas -, o tema tributos voltou a ficar em evidência.
Leia mais entrevistas da seção Respostas Capitais
Mudanças de alíquotas e de regras de cobrança que estão sendo implementadas e gestadas e até a recriação da CPMF devem garantir que o assunto não perca força nos próximos meses. Advogado tributarista do escritório Andrade Maia, Fabio Brun Goldschmidt vê "desordem" e "sede arrecadatória" dos governos. O pior, lamenta, é que parece não haver perspectivas de melhoras no sistema.
O ano tem sido marcado por "acidentes tributários". Vai ser o assunto do ano?
Não tenho dúvida de que sim. Há tempo não se via tamanha desordem tributária e tamanha sede arrecadatória. Existem diversas alterações, algumas já implementadas, outras em gestação. Mas todas elas dignas de nota.
De onde vem a preocupação no momento?
Vem de vários aspectos distintos. Um deles é o da carga tributária. O Brasil já tem uma carga tributária elevadíssima. O último censo indicou 36% de carga sobre o PIB, percentual que certamente se agravará no ano de 2016, seja porque diversas alíquotas foram aumentadas seja por que o PIB vai cair. Há um dado que muitos não conhecem, do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), que compara a carga tributária com o IDH dos países. Ele pegou os 30 países com maior carga e contrastou com o IDH, para saber qual a contraprestação. O Brasil ficou em último na relação. Qualquer cidadão brasileiro sente isso, quando se vê obrigado a procurar escola particular ou plano de saúde privado, por exemplo.
Você destacaria outro ponto?
Um segundo ponto diz respeito à racionalidade do sistema tributário. Uma coisa é a carga ser alta, outra é ser mal pensada. O e-commerce é um exemplo disso. Se de um lado nós partimos do encarecimento da tributação do e-commerce, isso antes dessa nova medida, ainda no início desse segmento, agora nós chegamos a uma burocratização que beira a inviabilização. Então, de um lado ou do outro, o Brasil segue na contramão do mundo. Hoje, o sujeito que compra um bem ou vende pela internet é obrigado a emitir guia de arrecadação do Estado de origem, outra do Estado de destino e uma terceira guia de arrecadação para o Fundo de Combate à Pobreza.
Uma das características do e-commerce é justamente vender sem a preocupação da base territorial.
Exatamente. O sujeito tem de conhecer a alíquota interestadual, que não é uniforme entre os Estados. Conhecer os Estados e alíquota de destino, que pode ser variável. Tem de comparar as duas e emitir as guias correspondentes. E depois descobrir se o Estado de destino tem um fundo de combate à pobreza. Aí, cruzando as informações, ele prepara as três guias, cadastra-se nos 27 Estados da federação para depois, então, ter de cruzar tudo isso novamente em uma nova venda. Não existe um sistema para unificar isso. Então, imagine esse processo para um pequeno empreendedor digital. Esse sujeito chegou ao ponto de se retirar do mercado.
As empresas maiores estão aumentando as áreas de contabilidade?
Sem dúvida. O ICMS já é o tributo que exige maior número de pessoal na área fiscal das empresas e essa modificação acentua ainda mais isso. Vai do encarecimento à inviabilização.
Um dos motivos pelos quais estas alíquotas (ICMS, por exemplo) são escolhidas para elevações, é porque são de fácil arrecadação, certo?
Isso, porque são concentradas em poucas empresas. Isso passa pela certeza de que a arrecadação vai ser mais fácil e de que, na prática, ela vai ser repassada ao consumidor. A alíquota, tanto do ICMS quanto do IPI, acaba não pesando diretamente sobre o empresário.
A troca da tributação sobre o vinho, no ano passado, chamou atenção. Como você avaliou?
O caso vinho é interessante. Saiu de uma alíquota fixa de R$ 0,73 litro e pulou para uma alíquota de 10%. Isso suscita preocupações, especialmente sobre a possibilidade do governo de implementar um aumento dessa ordem de uma forma abrupta, sem uma tese que seria juridicamente admissível, como, por exemplo, uma justificativa extrafiscal. Essa é usada no caso de produtos que fazem mal à saúde ou que o mercado que restringir. Nesses casos, a alta da alíquota serve um propósito extrafiscal. Não é o caso do vinho. Então, o objetivo é puramente arrecadatório, para corrigir os rombos orçamentários e os erros de política econômica.
Qual é o perigo das mudanças de jurisprudência?
A lei, toda vez que ela muda, muda para frente. A mudança jurisprudência atinge fatos passados. Pode atingir um fato que ocorreu há cinco anos. Ela agride a segurança jurídica de uma maneira muito mais pesada. No caso do IPI, por exemplo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) afirmou em certo momento que não poderia se cobrar o IPI na revenda de produtos industrializados, uma vez que o revendedor não é do setor da indústria. Passado um mês, o STJ voltou atrás. Nesse caso, a empresa é obrigada a recolher os tributos passados, com juros e multa. Essa imprevisibilidade é muito custosa para o país e para as empresas.
E a CPMF. O bicho é tão feio assim?
Esse tributo está na pauta do governo. Mas a alíquota e a forma de implementação estão longe de serem definidas. O grande problema da CPMF é o quanto ela se dissemina na economia. É um tributo cumulativo. Toda vez que circula dinheiro, há a cobrança. Isso contribui para a desbancarização, o que vai na contramão do que vinha ocorrendo e do que o país deveria seguir. Do ponto de vista da política fiscal, é um instrumento nefasto.
Um dos argumentos a favor é que ela seria insonegável. Isso é defensável?
Se fossemos considerar dentro de uma análise bem estreita de que, estando dentro do sistema bancário, o nível de controle é muito facilitado, sim. Mas, entramos no tema da desbancarização. Existe um universo muito grande de pessoas que já trabalham na informalidade. O sujeito que está vendendo um pente no Centro, vai guardar no colchão. Não é do interesse de ninguém que seja assim.
Há alguma chance de termos uma reforma tributária?
Eu acho que baixa. Principalmente se pensada de forma organizada, coerente e sistemática. O poder que o governo tem hoje é para tocar ponto a ponto, medida por medida, não para criar um movimento para se repensar o sistema tributário de maneira ordenada.
Quais as questões mais urgentes para o país?
Uma delas seria neutralizar os efeitos da inflação, que era um bicho enterrado no Brasil e voltou agora. Correção da tabela do Imposto de Renda, correção de custo de aquisição para efeito de cálculo de Ganho de Capital, tudo que implica aumento de tributação indireta pelos efeitos da inflação. Isso é o que mais pesa sobre as camadas mais pobres da população. Do ponto de vista estrutural, a questão mais importante seria a transferência da tributação para o consumo. Inibir que a carga tributária esteja concentrada nas empresas e levar, como é nos EUA, para o momento do consumo. Isso desoneraria o sistema e permitira desenvolver a produção.
Qual a probabilidade dessa transferência ocorrer?
É muito baixa, infelizmente.
Se fala muito em simplificações. Tem alguma coisa que pode evoluir logo?
Existe uma tentativa de unificar o PIS e a Cofins, que deve evoluir. Mas, na verdade, não ajuda ninguém. Na prática, já são tributos idênticos, só topicamente diferenciados. Particularmente, o que deveria evoluir é um código de defesa do contribuinte, principalmente por conta dessas questões de política fiscal.