Paula Bellizia voltou à Microsoft Brasil em 2015 depois de passagens por Apple e Facebook. Antes, havia atuado quase 10 anos como diretora de operações. Há dois anos na presidência, tem tratado de espalhar a mensagem global da empresa fundada por Bill Gates, de que não há futuro sem inteligência artificial (AI, da sigla em inglês). Os avanços nessa área têm suscitado inquietações de gente inovadora como Elon Musk, que levou o carro elétrico a outro patamar. O dono da Tesla é um dos mais ativos militantes pela regulação dessa tecnologia, para evitar abusos. Paula disse à coluna que a Microsoft e outras grandes empresas já estão discutindo uma espécie de autorregulação. E avisou:
– A inteligência artificial vai estar em tudo.
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Ao assumir a presidência, em 2015, você disse que gostaria que a Microsoft fosse considerada "cool" de novo. A empresa está se movendo nesse sentido?
Desde a fundação, há 43 anos, a empresa se tornou conhecida por democratizar o acesso à tecnologia, um PC em cada mesa. De certa forma, isso foi se transformando ao longo do tempo, hoje nos posicionamos como uma empresa de plataforma. Queremos democratizar de novo o acesso à tecnologia de inteligência artificial. Cool como? Levando a tecnologia para todas as pessoas. Se você olhar a missão da Microsoft, não é sobre nosso próprio sucesso, mas empoderar cada pessoa, cada organização no planeta a fazer mais com tecnologia e, portanto, democratizar. Isso é ser cool de novo: qualquer pessoa poder acessar a tecnologia. A inteligência artificial muda a forma como as pessoas vivem.
O avanço da inteligência artificial tem suscitado pedidos de regulação dessa tecnologia não só de resistentes a novidades, mas de figuras como Elon Musk, da Tesla, inovador reconhecido. Como a Microsoft se posiciona?
Nossa visão é que temos de fazer essa transformação com toda responsabilidade possível. Com outras grandes empresas de tecnologia globais, fizeram uma fundação chamada Open AI, para acordar princípios pelos quais essas empresas vão pautar o desenvolvimento de inteligência artificial: transparência, segurança, utilização. Estamos nos antecipando a discussão regulatória governamental.
Tem fundamento o temor de que a inteligência artificial substitua o trabalho humano?
Não é nossa crença. Um médico que trata um paciente de câncer, será que consegue buscar todo o conhecimento de que precisa sozinho? Essa rede de inteligência artificial com base na nuvem pode ajudar a organizar e trazer esse conhecimento em velocidade incrível. A capacidade humana de tomar decisões, fazer perguntas, ter insights, pensar diferente, não vai ser substituída. Mas pode ser aliada a uma grande capacidade de processamento de decisões que é muito poderosa.
A proposta é de autorregulação, em vez de regulação externa?
A regulação externa é algo que as empresas não controlam. Se vai haver legislação, as empresas podem influenciar. A tecnologia é inexorável. A inteligência artificial vai estar em tudo que se faz. Há uma grande capacidade computacional disponível no mundo, algumas empresas globais estão investindo muito pesado para construir essa rede de computadores conectados que vão trazer essa capacidade de processar grandes volumes de dados que vão ser transformados em inteligência.
Democratizar significa baixar preço dos produtos?
No modelo anterior de negócio da Microsoft, o software era o produto, e poderia ter um licenciamento tradicional ou na caixinha. Tinha a questão do preço. Hoje, o que é super cool, na minha concepção (risos), é que essa questão não aparece mais tanto porque a gente vende serviço. O Office 365, por exemplo, é uma assinatura paga por um valor mensal, uma aplicação no celular, no PC, em até cinco dispositivos. A questão do preço não vem aparecendo mais em conversas com clientes, com consumidores. Pelo contrário, o modelo de negócio é muito convidativo. Prefiro ter um software da Microsoft do que correr risco de modelo, o modelo de negócio é superbenéfico. Essa questão já foi resolvida.
Como a Microsoft vê esse período turbulento no Brasil?
A Microsoft considera o Brasil um país estratégico, um país de 210 milhões de habitantes, as pessoas são altamente conectadas. Desses 210 milhões de habitantes, 110 milhões estão nas redes sociais. Você tem acessos à internet diferentes, pela questão das classes sociais, mas o Brasil é um dos mais conectados do mundo. A tecnologia sempre representa uma oportunidade para investir, seja do ponto de vista da redução de custos, seja do ponto de vista da inovação. O que temos discutido com clientes de todos os tamanhos é que a tecnologia pode ajudar nos momentos de crise, otimizando as operações, reduzindo custos, ou gerando competitividade pela inovação. É um privilégio a Microsoft estar aqui e poder ajudar no momento de gestão desse momento econômico e político que a gente vem passando, felizmente experimentando retomada, ou no momento em que os investimentos e a positividade da economia vem acontecendo.
A Microsoft está no Tecnopuc, em Porto Alegre. Tem planos de ampliar o investimento no RS?
Estamos sempre buscando novidades. Nesse momento, não podemos falar de planos. Mas estamos muito satisfeitos em relação à performance desse centro de inovação. Existe desde 2003, então estamos lá há 14 anos, em parceria com a PUCRS, e os números são muito positivos. Temos 13 mil alunos atendidos em programas de formação, cursos, estágios, mais de 350 cursos diferentes realizados, são mais de 60 startups apoiadas, vários empregos sendo gerados, mão de obra sendo formada para as empresas do Rio Grande do Sul (DbServer, Qualistatus, Softmóvel, Pandorga, Thoughtworks e Dell são parceiras da Microsoft). Só nos últimos 12 meses, tivemos mais de mil alunos capacitados em mais de 40 cursos e treinamentos realizados. É um modelo de performance de excelência. Além disso, temos o programa Student to Business. Temos compromisso com o Brasil, decidimos ter compromisso com a jornada empreendedora. Queremos apoiar todos os passos de uma jornada de educação com atitude empreendedora. Isso é chave no Brasil. Trouxemos vários programas globais para o Brasil. O centro de inovação é um apoio. O Student to Business é um programa de formação de profissionais dedicados à tecnologia da informação, oportunidade de geração de empregos. Nesse momento em que o Brasil vive um dos seus maiores desafios, que é o desemprego, a gente continua tendo diversas posições em tecnologia no mercado que não conseguem ser preenchidas por falta de capacitação e falta de mão de obra qualificada. Só no caso do Tecnopuc, por exemplo, a gente já tem 23 edições do Student to Business.
O que a Microsoft Brasil faz para manter a posição de terceira melhor empresa para trabalhar no país?
Nossa cultura passou por uma reformulação completa. A base é o conceito de "mensalidade de aprendizagem", então a gente tem colocado foco na transformação não só de modelo de negócio, mas de cultura interna. A gente conversa sobre esse modelo calcado em curiosidade, vontade de aprender. Temos investido nessa transformação cultural, nesse diálogo interno sobre aprender, tomar risco. A transformação é recente, tem dois anos. Também destacamos diversidade e inclusão. Com isso, valorizamos não só as diversidades visíveis, mas também as invisíveis, ou seja, a diferença de pensamento, de estilo, de ideias, de experiências que podem contribuir para a criatividade. Tento viver todo dia essa missão, empoderar pessoas a fazerem mais com tecnologia.
Como a Microsoft atua para reduzir os gaps de acesso à tecnologia no Brasil?
No modelo de negócio anterior, ficava mais disponível ou mais acessível do ponto de vista de acesso, seja de pacote de licença, preço, e hoje é acessível para todos os tamanhos de empresa. A segunda questão é a jornada empreendedora. Temos um programa que faz a doação da mesma tecnologia que nós comercializamos para empresas de todos os tamanhos, fazemos doações para todo o setor educacional, alunos, capacitação de professores, a gestão das escolas públicas. Com isso a gente quer reduzir a diferença que existe de acesso entre a educação pública e privada ou diversos setores da economia. Temos diversos projetos para startups. O último ponto da jornada empreendedora, por exemplo, é um fundo de apoio a startups que estão nesse período de testes e precisam de fundo de investimento, mentoria de tecnologia ou de mentoria de negócios.
A rivalidade entre Apple e Microsoft parece ter se acabado. Hoje a Microsoft desenvolve Office para iPad e Mac. Essa distensão se reflete na gestão da empresa no Brasil?
Sim, é reflexo da transformação da Microsoft. Se antes a gente desenvolvia só para o Windows, um dos primeiros passos da transformação foi abrir a Microsoft do ponto de vista de plataforma. Hoje a empresa é absolutamente aberta, diria que somos uma das empresas mais abertas de tecnologia, porque o Office está disponível para Windows, iOS e Android. Quem escolhe o dispositivo é o consumidor. Queremos ser uma solução de mobilidade. O Office em todas essas outras plataformas foi um sucesso, porque é uma aplicação querida.
A Microsoft surpreendeu quando resolveu entrar para a fundação Linux, no final do ano. É possível esperar novos produtos da Microsoft com código aberto?
Hoje 20% do total do código desenvolvido internamente, para desenvolvimento dos nossos próprios serviços e produtos, já é de código aberto. A Microsoft tanto contribui como consome esse software aberto. Vou voltar à questão da inteligência artificial. A gente oferece frameworks, receitas de como o desenvolvedor pode desenvolver aplicações que levem inteligência artificial. Esses desenvolvedores podem vir de qualquer plataforma. Temos hoje 10 mil brasileiros que passaram por nossos cursos de certificação online gratuitos nessas receitas. A gente se beneficia de estar fazendo parte de uma plataforma mais aberta, porque o mercado, o ecossistema de desenvolvedores, vem de todas as partes. E outro dado é que na nossa nuvem, em cada três máquinas virtuais, uma roda em Linux. Isso é fruto dessa nossa aproximação e do entendimento de que o mundo é aberto e nossos clientes querem coexistir. A gente também quer coexistir.
Ainda há preconceito de gênero na tecnologia e nos altos níveis de gestão. Como conviver e ajudar a mudar esse estereótipo?
Gostaria que não fosse um assunto, mas ainda precisa ser. A gente ainda não tem uma representatividade da sociedade em todos os níveis de todas as organizações no Brasil e no mundo. A Microsoft tem trazido isso para o topo da agenda, implementado processos e políticas para garantir que a diversidade é uma perspectiva que tem sido acompanhada, sempre com meritocracia, mas que tenha igual chance de participação de todos os gêneros nas oportunidades da empresa. Outra coisa que temos feito é aproveitado a minha história para contar a outras meninas e mostrar que é possível. Cada menina pode ter sua própria história.
Como executiva, costuma atuar na atração e inserção de mais mulheres no segmento?
Sim, garantir políticas com todos os líderes da Microsoft faz parte de nossa cultura, diversidade e inclusão. São motores de criatividade. Se somos uma empresa de inovação, precisa investir nisso. Incutir isso é um dos focos da minha gestão.
O fato de ter uma mulher no comando mudou algo na Microsoft Brasil?
Estamos fazendo um trabalho muito forte de cultura, e o CEO global, Satya Nadella, tem falado mais sobre ele próprio, um indiano, que chega à liderança de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. Acho que o fato de ter uma mulher talvez seja um ponto a mais das nossas discussões locais de diversidade, mas não há tom local diferente do tom global. A Microsoft acredita globalmente na diversidade e inclusão como diferencial competitivo, como posicionamento.