Você conhece estes versos? “Entre nós reviva Atenas/ Para assombro dos tiranos,/ Sejamos Gregos na Glória/ e na virtude Romanos.
Vamos a mais um: Salve oh! Vinte de Setembro,/ Dia grato e soberano/ Aos livres continentistas,/ Ao Povo Republicano.
Outra dica, o refrão: Da gostosa liberdade/ Brilha entre nós o clarão/ Da constância e da coragem/ Eis aqui o galardão!
O que importa é a união do povo gaúcho no orgulho de ser o que somos.
Estes versos estão no livro Cancioneiro Guasca, de Simões Lopes Neto. Ele registrou três versões do Hino Da República Rio-Grandense. Escolhi uma estrofe de cada. Dos versos da versão original de 1883, para hoje, não sobrou nada.
Cantamos uma versão com versos novos e recortes antigos. Logo, não é um texto canônico, pois deixa-se moldar pelo vento da história. Novos tempos, novas sensibilidades, novas letras. Aliás, o "Guasca" do título do livro, hoje seria Gaúcho. Até os gentílicos mudam.
Trago o assunto pela polêmica, que de tanto em tanto irrompe, sobre os versos: Povo que não tem virtude acaba por ser escravo. O desdobramento lógico da frase é que por não ter virtude, alguém seria escravo. Mas no contexto do hino, a que remete?
Veja a primeira estrofe da versão original: Nobre povo Rio-Grandense,/ Povo de Heróis. Povo Bravo./ Conquistastes a Independência!/ Nunca mais será escravo! Escravidão lá era metáfora de subordinação política.
A explicação resolve o problema? Se o verso antigo soava bem, hoje, para a comunidade negra, arranha o ouvido. Estamos na esfera do "denegrir", palavra sem origem racista, mas que parece ser.
A palavra é metade de quem fala e metade de quem ouve. Quem fala não pode impor um sentido unívoco. Por isto não basta a boa intenção. Se alguém sente-se ofendido com certas palavras, - respeitando a razoabilidade, senão a língua fica impossível - respeite. Não estamos no lugar do outro para medir o dano causado.
Por exemplo, ninguém acredita em depressão até receber uma bofetada dela. A experiência humana tende ao intransmissível. A vivência da humilhação que o racismo traz, quem não passou não tem acesso - isto sem entrar no terreno da brutalidade real.
Hoje, como o racismo explícito pega mal, ele esconde-se em picuinhas. Já temos divisões suficientes. O que importa é a união do povo gaúcho no orgulho de ser o que somos. Tanto ou mais do que os brancos, os negros fizeram a riqueza material e cultural deste estado. O hino deve respeitá-los.