Minha esposa não pode viver sem um pet. Qualquer um, mas sua predileção, que beira a adoração, é por gatos. Paixão com raízes estéticas, ela considera os felinos os animais mais lindos da galáxia. Diana olha para eles como quem contempla uma obra de arte, uma relíquia sacra, sente-se abençoada por poder ter em casa um tigre de bolso.
De fato, gatos lembram a perfeição, são uma máquina de guerra envolta em maciez. Tudo neles é músculo para ser uma mola engatilhada, do nada ganham a velocidade que mal os olhos acompanham. Ao caminhar estão numa passarela imaginária, deslocando-se altivamente em silêncio, cientes de sua realeza.
Gatos me acalmam, na maior parte do tempo dormem aninhados. Esta imagem de paz funciona para mim como um sachê de sono. Tento aprender com os gatos o que me falta, o segredo do sono profundo, do adormecer instantâneo, do alongamento ideal. Enquanto trabalho, eles dormem ao meu lado por mim.
Mas vamos ao caos, nas férias adotamos duas gatas. Circe e Ceres, irmãs de dois meses, agora com três. Revelaram-se duas pequenas demônias, cruza de saci com a tempestade, o tumulto convertido em animais.
Circe é escaminha. Preta com manchas difusas em mostarda, caramelo e castanho espalhadas ao acaso, sem simetria. Ganhou o nome da bruxa da Odisséia pelo aspecto sinistro que estas gatas podem ter. Chimi, a escaminha da minha filha, traz o rosto tão desencontrado de cores, que mal se define as feições.
Ceres é frajola. Preta com luvas brancas nas patas, focinho também branco e um estreito babeiro alvo no peito. O preto é tão dominante que surgiu a teoria que quem saiba ela seja realmente preta, e no finalzinho de ser feita, terminou o cartucho de impressão. Ganhou um nome positivo contraposto, Ceres é uma deusa grega ligada ao cultivo.
Os nomes vieram ao acaso, mas dizem do que iríamos enfrentar. Lembram do filme Gremlins? Eles eram animais fofos, mas se ganhassem água após a meia-noite, tornavam-se incontroláveis duendes perversos.
Sabíamos que adotaríamos encantadoras gremlins. O fato é que o caos produzido por elas lembra um momento muito feliz, quando nossas filhas eram pequenas. Quem passou por isso entende. Tudo está atrasado, fora do lugar e pouco importa. Existe vida efervescente dentro de casa, uma alegria inexplicável de apenas existir.
PS: Obrigado à Priscila Machado, tutora original que nos cedeu as adoráveis pestinhas.