Recomendar livros é uma arte impossível. Uma boa leitura é sempre uma convergência feliz entre o que o livro é e o que o leitor precisa no momento. Resultado imprevisível como a química de um encontro amoroso.
A leitura acertada revela-se quando sentimos que o escritor fez o livro para nós. Semana passada estava neste enlevo, a Carol Bensimon escreveu um livro para mim. Talvez vocês gostem, mas fique claro que ele é meu. Trata-se do Diorama, livro ainda quentinho do forno de impressão.
O livro me pegou pela recriação de um crime que parou nosso Estado: o assassinato do radialista e deputado José Antônio Daudt. Ele era uma celebridade quando foi fuzilado na frente de sua casa no bairro Moinhos de Vento. Você não encontrará este nome no livro, ele é uma versão literária do evento. Mas, no depoimento de quem viveu aqueles dias, não falta nada.
O crime segue impune por falta de provas. Porém, não era leitura de todos. No processo, veio a público que o deputado levava uma vida dupla. Era um político corajoso, enfático, pioneiro na causa ecológica. O homoerotismo ele reservou para a esfera privada. A questão é o quanto esta revelação foi decisiva no julgamento. Não sou da área, mas entendi o processo como um desdobramento jurídico do preconceito. Foi difícil viver aquele absurdo.
O livro lembra um romance policial. A narradora que liga os fatos é uma menina que, por razões familiares, teve a vida dilacerada pelo crime. Carol fez dela uma bióloga que trabalha com taxidermia. A personagem Cecília restaura cenas com animais empalhados. Diorama é como se chamam aquelas vitrines — um tanto sinistras — nos museus que mostram animais mortos como se fossem vivos.
Diorama é um retrato bem amarrado daqueles dias do crime que mobilizou o Estado. O relato não linear é propício ao que é traumático, pois é fato disruptivo pontual que dá sentido ao todo. Um crime sem justiça é um fantasma que não se deixa esquecer e arruína tudo ao redor.
A história se passa em 1988, o último ano que eu ainda não era pai. Só quem é pai sabe que nascemos outra vez depois do primeiro filho. No caso filha, a Laura, uma ruiva a mais no mundo. O ano foi denso, com a gestação somos pais um pouco antes, a mente tem que se expandir qual um ventre para parir uma paternidade. Foi um momento mágico da minha vida, onde a morte fazia ainda menos sentido.