Domingo passado acordei disposto, sonhei com o papa Francisco. Ele foi uma agradável surpresa para o mundo, veio depois de Papas sisudos e desconectados do nosso tempo. E mais, suspeito que desconectados de Jesus.
No sonho, Papa Francisco estava pilchado a rigor, mas calçava havaianas. Esse chinelo de borracha de uso epidêmico na fatia de mundo Brasil. Aliás, no Havaí eles têm, como retaliação, um chinelo brasiliano?
O eixo do sonho remetia à brasilidade através do chinelo. Para quem não tem trânsito pelas bandas do norte, a havaiana está para eles como uma alpargata para nós. Carioca nem se fala. Eles tem duas, uma normal e outra para ocasiões sociais. Se alguém disser que soube de alguém de havaianas num casamento no Rio, não duvide, nem que te digam que era o noivo.
Meu sonho remetia à inveja. Francisco é argentino e eu queria um Papa brasileiro como ele. Na época que o escolheram, um detalhe me pegou, ele abriu mão dos usuais sapatos vermelhos. Seguiu com as botinas surradas que já usava. Pontos para Francisco. Conheço quem se converteria, aprenderia latim e aceitaria o papado só para usar aqueles sapatos.
O sonhos condensam e entreveram as ideias, por isso a interpretação tem níveis. É óbvio que um sonho com o Papa seja ligado à figura paterna. No caso, uma pitada de saudades do meu pai que já se foi. No sonho eu conversava com o Papa. Não lembro o assunto, talvez não seja nada importante, apenas essas conversas que regularmente tenho com Francisco sobre futebol e política.
Fui católico na infância (será que deixamos de ser ?) até que tive uma epifania reversa que marcou meu afastamento da vida religiosa. É que alguém teve a infeliz ideia de me dar uma sandália franciscana. Não sabia se aquilo era um sapato com amputações ou um chinelo metido a besta. Parecia a síntese do pior dos dois. Calcei e pensei, se os crentes gostam disto, a vida religiosa não é para mim. Tô fora.
Crescendo percebi que meu assunto com a religião ultrapassa as sandálias. Crianças tropeçam na concretude das palavras. Embora ainda acredite que elas desalinham qualquer vivente, apenas Jesus fica bem com sandálias. A questão era a fé que me faltava. Seja como for, estou em paz com o catolicismo da infância. Até porque, brigar com religião é fraqueza da fé atéia.
Na verdade esta coluna é um pedido de desculpas. O Papa não é um qualquer, decididamente, ele não merece calçar havaianas nem em sonhos. Tenho ciência da profunda deselegância que cometi, por isso venho a público me retratar. Isto não se repetirá.