Somos mais filhos da mãe ou do pai? Ou então, a quem devemos mais respeito? Biologicamente é fácil. Nos genes dá empate, 50% para cada um. Porém, como herdamos mitocôndrias apenas da mãe, ela ganha. Mas na prática isso não responde a nada.
Existe um macabro mito grego em torno dessa questão. O rei Agamenon sacrificou ritualmente sua filha Ifigênia aos deuses, para obter vento aos barcos que rumavam para a guerra à Tróia. Contrariada, a rainha Clitemnestra arquitetou vingar a filha. Recebeu o esposo com pombas quando ele voltou da guerra. Mas era só ardil para assassiná-lo.
Orestes, irmão da sacrificada, vê-se na obrigação de vingar a morte do pai e mata a sua mãe. Enlouquecido pela perseguição das Erínias, monstros que atormentam quem derramou sangue do seu sangue, buscou julgamento em Atenas. A questão era se a vingança procedia. Ou seja, quem ele deveria respeitar mais, o pai ou a mãe?
Deu empate no julgamento de Orestes. A absolvição veio com o voto de Atenas (Minerva para os romanos) que presidia o júri. A deusa justifica que não teve mãe, fora gestada na cabeça de Zeus, logo sem dívida para com a maternidade. Este julgamento mítico é lido como o nascimento da justiça.
No século XIX, um jurista suíço, J. J. Bachofen acrescenta outra interpretação. Ele pensa este mito como a passagem alegórica do matriarcado ao patriarcado. A virada de quando o pai tornou-se o centro da autoridade. No século passado, a tese de um poder feminino originário ganhou inúmeros teóricos, curiosamente sem menção a Bachofen. Até hoje essa tese não tem correspondência arqueológica. O que já se pode dizer, é que na Idade do Bronze a relação de poder homem/mulher era equilibrada. A posterior consolidação do patriarcado, a escolha pelo pai, é a história da assimetria de poder e do apagamento das mulheres.
Alguns historiadores creditam o culto à Virgem Maria, um fato tardio no cristianismo, à influência dos povos europeus autóctones recém cristianizados. Os ditos bárbaros, veja só, não suportavam uma teogonia sem nenhuma alusão ao feminino. Descia-lhes mal a aridez de uma religião sem deusas.
Mitos e fatos respondem a diferentes registros, mas certo é a eterna tensão referente ao poder (e à falta dele) das mulheres. A guerra simbólica subterrânea em torno disso estrutura nosso modo de pensar a vida, portanto é indissociável das escolhas políticas. O voto também determina os direitos e espaço de liberdade que as mulheres terão. Por isso a pauta dos costumes gera tanto atrito nas eleições.