Por esses acasos da vida, deparei-me com um demonologista. Como o encontro foi esclarecedor, resumirei para vocês o aprendizado.
Tudo começou com a revolução digital. Se você está cansado dos problemas que a internet te trouxe, não imagina o que o inferno passou. O caos fez eles se repensarem. Acabou a abordagem personalizada, onde cada um tinha um diabo à disposição para negociar. Agora é através de uma central telefônica. Não há demônios suficientes para a demanda. Hoje, só com padrinho graúdo para barganhar uma alma.
Quando um discurso de ódio se materializa num ato brutal, quem compartilha é cúmplice.
Esqueça o pacote básico que conhecíamos: sacrifícios, cruzes invertidas, missa negra e venda superfaturada de almas, isto era quando Belzebu comandava. Na virada do milênio os demônios em assembleia discutiram as atuais diretrizes e elegeram nova diretoria. Agora está em voga o neosatanismo, outra perspectiva sobre o pecado e novas metas estratégicas.O novo credo parece-se mais a um programa de reestruturação institucional.
O neosatanismo não é bem uma religião, pense em algo diferente. É sem fé, sem rituais, sem adoração. Parte-se do princípio que Satã não gosta de ti, e você não precisa gostar dele. Aliás, tanto faz, porque ele não dá a mínima em nenhum dos casos.
Belzebu subestimou o potencial deletério exponencial das redes sociais. Um exemplo: mentir é um erro, mas umas orações, arrependimento sincero e fica-se limpo para outro pecado. Com as redes sociais a mentira ganhou proporção planetária. O que era para ficar no bairro ganha o mundo. Lembre, os pecados são medidos pelas consequências. Um abobado compartilha mentiras sobre vacina, quando alguém não se vacina e se ferra, a conta vai para o prontuário dele.
Ou ainda, quando um discurso de ódio se materializa num ato brutal, quem compartilha é cúmplice. Isso gera muitíssimo mais processos do que antes. Um linchamento tradicional num vilarejo abre dezenas de processos, linchamento na internet abre milhões, haja equipe…
Como a antiga diretoria não se preparou para os novos tempos, hoje no Inferno trabalham além do limite. Aliás, o termo "burn out" (literalmente queimar por completo) significando exaustão, surgiu lá. Tampouco se faz um novo e bom diabo da noite para o dia, é preciso treino, estudo, estágio. Resultado: o preço das almas despencou, eles não sabem como abrigar os contingentes de pecadores que não param de chegar, as ações das trevas caíram, Satã está descapitalizado e sem estafe. Vamos ver se o neosatanismo resgata a confiança do mercado e o prestígio que a marca Inferno já teve.