A vizinha bateu à porta para me mostrar algo. Minutos depois, eu olhava para o teto da sua lavanderia. Uma roda de mofo e umidade exatamente abaixo do meu aquecedor de água. Decididamente não é a melhor maneira de começar um sábado.
Aquele borrão redondo verde-acinzentado parecia um olho maligno e agourento me espreitando. .
À noite sonhei com a mancha, com a minha gerente do banco negando um empréstimo e com um vampiro trajando macacão de oficina.
Segunda-feira recebi uma firma de encanamento. Mal olharam e veio o veredito. A receita era arrancar tudo, do piso a teto, para trocar as juntas homocinéticas digitais e a tubulação esclerosada por sais clorados e ferrugem iônica. Algo simples, a parte deles era dez mil reais. Demolição e troca do encanamento. Para a reconstrução indicaram um parceiro que por aproximadamente uns dez mil, fora o material e as taxas de IPVA, INSS e PQP, resolveria o caso. Eles geralmente dão garantia, mas não em prédios da Idade Média como o meu.
A segunda firma era de aquecedores de água. O técnico disse que eu tinha uma relíquia. O meu aparelho não é mais usado desde a Guerra do Paraguai. Teria que trocá-lo e mais os canos. Os atuais são incompatíveis com o fluxo dinâmico energético da bomba de pressão ergonômica hidrostática que vem acoplada. A parte deles era de quinze mil, sem envolver a troca do piso, da parede e do teto e a impermeabilização a laser e ácido hialurônico. Seis meses de obra e duas semanas de garantia. Ao sair meu deu os pêsames e um cartão da esposa que é corretora de imóveis, caso eu optasse mudar de residência.
A terceira firma era de engenharia, faria o processo todo. A troca do aparelho, das paredes, do piso, da laje, da robimboca da parafuseta, mais a manta asfáltica de acetato de tungstênio ficaria por trinta e cinco mil reais. Poderia pagar à vista sem desconto ou em duas parcelas de vinte. A garantia deles é quântica, ora eles dão, ora não dão. Para mim caiu o não. Ao sair me disseram que nesses casos, pela experiência deles, seria bom que o contratante frequentasse um psiquiatra e usasse antidepressivos durante a execução da obra.
Estava ligando para o psiquiatra quando chegou o Victor. Um faz-tudo engenheiro amador que chamo para consertos. Ele olhou para o aquecedor e mostrou-me uma tênue linha junto à parede saindo do aparelho. Constatou um mínimo vazamento que não pingava e sim escorria por um dos canos. Depois a água descia pelos azulejos e seguia para uma falha no rejunte do piso. Trocou a borrachinha que veda a junção dos canos e parou o vazamento.
Perguntei o valor do conserto. Ele disse que isso não era nada, pois nem gastou cinco minutos. Iria cobrar só o valor da visita. Não entendeu quando lhe paguei três visitas a título de presente de desaniversário.