O anúncio feito pelo ator Tom Holland, no sábado (13), de que irá ficar um tempo afastado das redes sociais por precisar cuidar da saúde mental levantou discussão a respeito de como estar conectado o tempo todo está se tornando um hábito arriscado. O Brasil é o segundo país no mundo com maior tempo de acesso à internet do planeta — são em média 10h08min por dia navegando.
O ator não deu prazo de retorno para sua saída das redes e reforçou que é um momento importante para apagar os aplicativos do celular. Em vídeo publicado em seu perfil no Instagram, ele relatou suas razões aos fãs:
— Vou dar um tempo nas redes sociais para a minha saúde mental, porque acho que o Twitter e o Instagram nos estimulam excessivamente, e me vejo preso em um espiral de notícias quando leio coisas sobre mim online e ultimamente tem me feito muito mal.
Cristiano Nabuco, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo (USP) cita fatores positivos e negativos no uso das redes sociais. O primeiro, considerado positivo, é como essas tecnologias facilitaram e agilizaram a comunicação ao substituir as ligações telefônicas. Por outro lado, também mostrou com o quanto alguns de nós dependemos emocionalmente das redes sociais, em especial do Instagram.
Por trás dessa necessidade de se manter online, de dar e de receber likes, está um processo que pode ser comparado a um vício. Estudos feitos lá em 1998, muito antes da explosão das redes sociais, já indicavam que jogadores de videogame acionavam o sistema de recompensa quando expostos ao eletrônico. Através de testes de imagem, os pesquisadores identificaram que, ao jogar, a liberação de dopamina, neurotransmissor relacionado ao bem-estar, era semelhante à que ocorre com o uso de drogas, como anfetaminas, por exemplo. Ou seja, ao repetir um comportamento que traz prazer, há mais liberação do neurotransmissor, abastecendo esse sistema e fazendo com que a gente peça bis.
— A tecnologia já se sobrepôs à função inicial dela, que era de servir de “bicicleta” para o cérebro. As programações são feitas para levar as pessoas a navegarem mais do que elas gostariam. Se eu tirar uma selfie e publicar na rede social “X”, eu vou ter cem likes em uma hora? Não. Ela passa por conta-gotas para me fazer mais tempo interagindo com essas plataformas — continua Nabuco.
A vulnerabilidade de crianças e adolescentes
Os impactos da tecnologia como um todo já são conhecidos, sobretudo, na primeira infância, quando interferem no desenvolvimento cognitivo das crianças e até nas habilidades psicomotoras, cita o psiquiatra Rodrigo Machado, médico colaborador do Programa de Transtornos do Impulso do IPq da USP.
— Provavelmente, acaba-se restringindo a exposição a outras fontes que seriam benéficas à criança — diz o médico.
Com o passar dos anos, o uso abusivo de tecnologia repercute na tomada de decisão e memória, habilidades refinadas da cognição. Como ainda estão em processo de desenvolvimento do cérebro, indivíduos com idade inferior a 25 anos são considerados mais vulneráveis.
A tecnologia já se sobrepôs à função inicial dela, que era de servir de “bicicleta” para o cérebro. As programações são feitas para levar as pessoas a navegarem mais do que elas gostariam. Se eu tirar uma selfie e publicar na rede social “X”, eu vou ter cem likes em uma hora? Não. Ela passa por conta-gotas para me fazer mais tempo interagindo com essas plataformas.
CRISTIANO NABUCO
Coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria (IPq) da Universidade de São Paulo
— O estudo com games mostra que há modificação do padrão de funcionamento do cérebro. E não só o funcionamento, mas há alterações estruturais: muda o tamanho do córtex quando comparado com o que não faz uso dessas tecnologias. É uma bela prova de que esse abuso muda o cérebro — diz Machado.
O uso excessivo de tecnologias e redes também reduz o convívio social e aumenta o risco de depressão. Em 2019, um estudo publicado no EClinicalMedicine analisou dados de mais de 10,9 mil adolescentes de 14 anos para avaliar se o uso de redes sociais estava associado a sintomas depressivos. Os achados revelaram que 26% das meninas que usavam redes por um período de três a cinco horas por dia preenchiam critérios para depressão.
As vias potenciais para essa relação, sugeriram os autores, foram o sono insatisfatório e a exposição ao assédio online. O trabalho mostrou que 40% das meninas e 25% dos meninos tiveram experiências de assédio online ou cyberbullying e 40% das meninas em comparação com 28% dos meninos disseram que dormiam frequentemente interrompido. Entre as garotas, também ficou evidente a maior propensão à baixa autoestima, à insatisfação com o peso corporal e à infelicidade com a aparência.
Além dessas repercussões na saúde mental, o abuso das tecnologias também afeta a parte física. Problemas posturais e oftalmológicos são alguns dos mais comuns reportados por especialistas.
Positividade tóxica
Corpos esbeltos, viagens incríveis e experiências que passam longe da realidade da maior parte da população são alguns dos fatores que renderam ao Instagram de pior rede social para a saúde mental, conforme um relatório feito pela Royal Society for Public Health, do Reino Unido, feito em 2017. O levantamento, que ouviu mais de 1,5 mil pessoas de 14 a 24 anos, identificou que 91% dos entrevistados usavam a internet para acessar as redes.
Além disso, muitos descreveram as redes sociais como algo tão viciante quanto álcool e cigarro. O trabalho também mostrou que, apesar do aumento da ansiedade e de outros problemas relacionados ao acesso em demasia às redes, essas conexões permitiram acesso a informações sobre saúde.
Para Machado, é importante ter uma postura positiva nas redes. Contudo, ele destaca que é normal e natural enxergar as coisas por um viés negativo, assim como ficar triste.
— A positividade tóxica suprime isso, essa necessidade de lidar com a dor — avalia.
Identificando e aliviando o uso
Embora seja difícil identificar que se está abusando das redes sociais, há algumas pistas de que o uso é excessivo, apontam os especialistas. Preocupar-se em demasia com a rede em questão, perder o controle do uso a ponto de ter prejuízos na escola ou no trabalho, ficar irritado com a falta de sinal de internet ou se incomodar com uma bateria no fim são indícios que devem acender o sinal de alerta.
— Diminuir a convivência social, atividade física, apresentar piora no sono e, apesar disso, continuar usando as redes e aumentando o seu uso precisam de atenção — diz o psiquiatra Rodrigo Machado.
Veja algumas dicas para reduzir o impacto do uso das redes sociais na sua saúde mental:
- Estabeleça rotinas e saiba o que vai fazer a cada dia
- Tenha uma boa rotina de sono, alimentação e atividade física
- Foque em atividades sociais reais, não virtuais
- Lance mão de aplicativos para controlar o tempo de uso das telas
- Evite olhar as horas no celular, pois isso incentiva o uso do aparelho
- Deixe as redes sociais na segunda tela do celular
- Tire as notificações dos aplicativos
- Eleja os momentos para o uso das redes sociais