Tudo ia bem no firmamento. As esferas celestes andavam como o melhor dos relógios, as galáxias faziam seu balé cósmico, os cometas, seus voos acrobáticos, e Deus reinava sobre tudo e todos.
Não se sabe exatamente quando o problema começou. Era algo leve, poderia passar despercebido. Mas Deus é Deus e Ele soube. Na verdade, embora tendo consciência do efeito, não Lhe era clara a causa.
Quem se aproximava, sentia que Deus não andava em seus melhores dias. Porém, Ele atribuía o desconforto e o mau humor à humanidade. Aliás, nem é preciso dizer, nós sempre fomos a causa da azia espiritual de Deus. Tampouco creio que seja necessário explicar. Nossa imperfeição renitente, nossa teimosia em odiar os semelhantes O aborrecem. Portanto, o argumento soava crível. Mas havia algo mais no éter.
Lentamente, o cosmos piorava. Não era mais possível esconder que o universo encolhia. Regiões remotas, nem ao menos nomeadas, nos confins dos confins do fim da metagaláxia, sumiram como se nunca tivessem existido. Estava claro que havia uma perturbação na força divina.
Quando até o Diabo ficou preocupado, todos se alvoroçaram. A visita foi breve. O medonho, como todos, queria respostas. Afinal, inclusive o seu reino estava diminuindo. Deus gostaria de ter dito ao seu antagonista algo concreto, mas foi lacônico. Infelizmente, Deus estava confuso, não entendia o decréscimo do universo, muito menos seus próprios sentimentos.
Naqueles dias não havia anjo despreocupado nem demônio tranquilo. Todos comungavam a angústia pela desordem e pela falta de sentido. Compartilhavam a aflição pelos novos tempos. Como seria o futuro? Ou mais grave, existiria o futuro? Não era mais possível esconder que algo se aproximava e transformava a existência em nada. Tudo aquilo que era poderia não ser. A cada dia aumentava o pânico nas hostes celestes e nas profundezas do Tártaro.
Infelizmente, custa dizer, Deus estava deprimido. Mas como Deus é Deus, Ele soube o caminho correto. Seria preciso primeiro admitir sua condição para posteriormente melhor entendê-la. Ele soube que era um momento raro, reverso, em que Ele, que sempre ajudou a todos, agora precisava de ajuda.
Deus sabia que o abominável estado de sentir o nada, a força que nos faz desistir de tudo – vulgo depressão –, era pior do que qualquer demônio. Por isso, Ele vestiu as sandálias da humildade e foi se tratar. Buda acolheu a angústia divina. Não foi um processo fácil, a depressão tem suas manhas, seus segredos, seus disfarces. Mas se hoje o universo está aí de volta em seu esplendor e glória, é porque Deus está curado.
Nem Deus está imune à depressão. O vórtice da negatividade atinge a todos. Faça como Ele, peça ajuda quando for seu caso.