Um leitor me sugeriu escrever como a psicanálise entende o "momento de destruição do planeta sem medir as consequências que virão” (sic). Boa pauta. Ele pergunta sobre os mecanismos psíquicos da negação do aquecimento global que bate à porta.
Infelizmente a psicanálise não discute ecologia. Se pensasse, seria na linha do comportamento destrutivo que nos acompanharam, e que a psicanálise é cética de que isso mude. Ela iria articular o Eros versus Thanatos, pulsões que estão no cerne da mitologia psicanalítica. Pulsões que explicam tudo sem explicar nada.
Nada contra mitos, são bons para pensar, enquanto não temos algo mais claro. Qualquer psi se depara na clínica com a força do poder destrutivo contra si ou contra outros. Mas se o fenômeno é óbvio, o entendimento nem tanto. Esse não é um bom caminho para entender nossa relação predatória para com o planeta.
Outra visada explica melhor o desdém que temos para com a Terra. Em algum momento do passado distante, começamos a conceber-nos como se fôssemos duplos. Como é evidente a fragilidade humana, nossos corpos envelhecem e morrem, a saída para imaginar uma transcendência e derrotar a morte seria a duplicação do eu. O corpo débil e passageiro, teria em paralelo uma substância imaterial indestrutível. Frente ao assombro da consciência de si e da finitude, inventamos a alma.
Foi uma ideia revolucionária, uma descoberta da roda para o pensamento mítico. Praticamente todas as religiões adotaram alguma versão dessa duplicidade. Ela tornou-se o senso comum do pensamento humano. O corpo morre, mas nossa melhor parte resiste, e ganha outro destino. Sim, a melhor parte, geralmente pensamos esta abstração como superior à carne. Isso é tão arraigado que até o pensamento laico atual segue com concepções de corpo e mente.
Nada contra o pensamento religioso, não sei se conseguiríamos chegar onde chegamos como espécie sem consolos espirituais. A questão é que tudo cobra um preço. Esta cisão, geralmente acompanhada da ideia que somos feitos à imagem e semelhança de Deus, esconde nossa incômoda essência animal onibiológica. É melhor ser uma criação divina do que um macaco - de uma espécie agressiva - que conquistou o pensamento abstrato.
Qualquer um nota que é diferente o cuidado com a casa se ela é própria ou alugada. O preço de crer numa alma é sentir nossa vida no planeta como transitória, a morada definitiva estaria no futuro alhures.
Existem religiosos esclarecidos que sentem-se parte da natureza e a cuidam, não é uma separação unívoca. Mas isso é no varejo, no atacado as pessoas sentem-se desconectadas de sua essência natural. Ao invés de pensar sobre a existência terrena, discutem concepções sobre os desígnios dos deuses e o sexo dos anjos. Enquanto isso, o planeta definha.