Quando penso em período ruim da minha vida, lembro do tempo em que fui psicólogo de presídio. Aprendi que custa psiquicamente caro conviver com a realidade do crime. Por isso fico sensibilizado para um fato: os suicídios entre policiais – civis ou militares – cresceram 55% em um ano, segundo dados compilados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. As mortes por suicídio ultrapassaram as mortes em serviço.
Geralmente o suicídio é o ponto final de uma depressão severa. A depressão é multifatorial, mas nesses casos temos um ingrediente especial: a insalubridade psíquica. O cotidiano do atrito com o crime cria uma visão pessimista da humanidade, fruto de uma amostragem viciada. De tanto conviver com o lado sórdido da sociedade, o mundo todo lhes parece nefasto.
Outras profissões também são afetadas. Como os policiais, temos os agentes penitenciários. De forma indireta, mas não menos corrosiva, estão juízes, defensores públicos, promotores, oficiais de justiça, assistentes sociais, psicólogos e outras funções de trabalhadores da Justiça. Por exemplo, imagine o humor de quem passa o dia trabalhando com processos sobre morte, espancamento, e estupro intrafamiliar.
Alguns trabalhadores da saúde também são afetados. Um cirurgião dentista que trabalha num pronto socorro me contou essa. Recebeu uma paciente com rosto destruído que lhe pareceu familiar. Puxou pela memória: ele já reconstruíra o maxilar dela anos atrás. Agora outra surra, provavelmente do mesmo agressor, e a sensação do irreparável.
Comparando com outros países, nossas forças policiais são mal equipadas e mal treinadas. Ganham salários irrisórios frente ao perigo que correm. Os jogamos na selva e exigimos ponderação e eficiência. Ainda, os policiais rotineiramente enterram colegas. Como não pensar que poderia ser ele no caixão. Isso gera a ideia de que sua vida é banal e substituível.
Parte da população não tem apreço à polícia. Por isso, algumas vezes, ela é brutal para se sentir respeitada. Quem não é simbolicamente valorizado, faz-se valer pela força. Cria-se então um círculo vicioso: não a respeitam por sua violência e ela torna-se ainda mais dura por não ser respeitada. Claro, a maioria dos policiais não participa disso. Mas os abusos persistem, como recentemente ocorreu com Genivaldo, esquizofrênico que morreu asfixiado numa viatura.
Quem pratica a violência se embrutece. Interpreta a vida com a chave do ódio, inclusive contra si mesmo. Quando a depressão ativa comportamentos autodestrutivos, quem é bruto se agride mais.
Os policiais andam armados, nem poderia ser diferente. Arma ao alcance da mão faz diferença quando chega uma angústia depressiva aguda.
O que as instituições policiais estão esperando para cuidar melhor da psique de seus membros?
Procure ajuda
Caso você esteja enfrentando alguma situação de sofrimento intenso ou pensando em cometer suicídio, pode buscar ajuda para superar este momento de dor. Lembre-se de que o desamparo e a desesperança são condições que podem ser modificadas e que outras pessoas já enfrentaram circunstâncias semelhantes.
Se não estiver confortável em falar sobre o que sente com alguém de seu círculo próximo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. O CVV (cvv.org.br) conta com mais de 4 mil voluntários e atende mais de 3 milhões de pessoas anualmente. O serviço funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados), pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil (confira os endereços neste link).
Você também pode buscar atendimento na Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no telefone 192, ou em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado. A lista com os endereços dos CAPS do Rio Grande do Sul está neste link.