Poucas coisas revolucionaram mais nossas vidas do que o celular. Ele é mais do que um computador de bolso, é o canivete suíço da virtualidade. Para o bem e para o mal, nos tornamos inseparáveis dele. Se nosso cotidiano ficou facilitado, o preço é não poder relaxar, somos achados e demandados em qualquer circunstância.
Muito disso se deve a Steve Jobs. Sua genialidade mudou nossa vida. Depois do iPhone, os outros celulares são apenas cópias da sua funcionalidade. Outras revoluções que conseguiu com os computadores da Apple também se tornaram padrão. Foi apelidado de iGod, o deus da tecnologia.
Infelizmente morreu cedo. Poderia seguir inventando se não tivesse um lado idiota. Aqui o uso de idiota não é pejorativo, é uma das possibilidades da palavra: aquele que não sabe, e ignora o quanto não sabe.
O causo foi assim. Em 2003, Jobs foi diagnosticado com um câncer no pâncreas. Notícia dura, a sobrevida nesses casos é curta. Porém, teve sorte dentro do azar: o seu era um dos raros casos em que esse câncer é operável. Os médicos vibraram com a notícia.
Adivinhem o que o nosso mago da tecnologia fez? Desconfiando da medicina tradicional, buscou curas alternativas. Recorreu a curandeiros, naturopatas, fez jejum, tomou toda sorte de extratos vegetais conhecidos. Um ano depois, outro exame mostrou que todos os chás de guabiroba não ajudaram. O tumor extravasou o pâncreas, não era mais operável como antes.
Mesmo assim, com malabarismos clínicos, incluindo um transplante de fígado, chegou a 2011. Morreu com 56 anos. Jobs era brilhante, mas infelizmente seu corpo não era um dispositivo disponível para uma de suas revoluções criativas.
Antes que o leitor lembre do tio que se curou com caroço de pitomba bento, um dado simples: há relatos excepcionais, e na maior parte das vezes anedóticos, de remissão espontânea de um câncer. Nas palavras de uma amiga médica: “câncer você tem, teve ou terá”. Dadas as bilhões de reproduções celulares que fazemos, algumas dão errado, em geral são descartadas. É quando o corpo não elimina esse erro que se dá o problema. Se bons hábitos evitam um câncer, depois de ele ter se instalado isso tem pouca relevância, e tampouco a pajelança resolve.
O conhecimento profundo de um tema pode criar a ilusão de que somos geniais também em outras áreas. Creio que no que toca ao nosso corpo, algo tão íntimo, é ainda mais difícil admitir a abissal ignorância que temos sobre seu funcionamento. Vide o que tinha de gente que nunca abriu um livro de biologia na vida solenemente palpitando sobre vacinas.
A verdadeira sabedoria consiste em conhecer o limite do nossos saber. Jobs era um gênio, mas não era sábio. A onipotência cega e nos deixa idiotas.