Deu uma moda nos adolescentes de litigar com o nome que receberam. Começaram a se autonomear. Faz algum sentido, afinal, o nome não diz nada de nós, e sim dos nossos pais. Nosso nome é de fato uma alienação. Mas por que essa marca da origem nunca foi um problema e para alguns dessa geração, sim?
Começou faz tempo. A igreja católica medieval incentivava as famílias nucleares e monogâmicas. Com isso, ao longo dos séculos, com muita resistência, foram desaparecendo os casamentos arranjados entre parentes e a poligamia, padrão corrente na Europa em uma época que a organização social consistia em clãs.
Embora lentamente, isso mudou tudo: cada vez menos essas pessoas se sentiam pertencentes ao coletivo, e cada vez mais viam-se como distintas. Acelerou com o declínio do feudalismo. Algumas pessoas não queriam ser como seus pais, escapavam de ter seu papel na sociedade determinado desde o berço. Era uma conquista de mobilidade social.
Aos poucos, os homens foram se libertando das amarras, das normas que diziam como eles deveriam ser e se comportar. No individualismo, o sujeito retira sua identidade do que ele fez para si, ao contrário da forma anterior – holista ou coletivista –, em que a sociedade determinava, sem negociação, seu destino. Isso foi mudando aos poucos e teve inúmeras rodadas. A essência é: meu nascimento num lugar, ou classe social, não decide meu futuro.
O próximo passo foi questionar os pais, o desejo deles não deveria mais ser determinante nas escolhas de vida dos filhos. Isso chegou ao extremo no século passado, como se o sujeito não carregasse o peso de sua história e não tivesse sido cuidado e investido pelos seus. Esse é o ridículo do: eu me fiz por mim mesmo.
Quando hoje os jovens inventam um nome para si, tendo ou não uma mudança de gênero envolvida, estamos diante de mais um capítulo dessa história. Mais uma rodada do individualismo: autodefinir identidade e destino. Esse movimento, há um milênio, vem quebrando os papéis sociais pré-fixados. Consonante com isso, as novas gerações acreditam que é preciso também moldar o próprio corpo e o gênero que nos identifica.
O individualismo – não confundir com egoísmo – é anterior ao capitalismo e é a marca do Ocidente. As sociedades orientais tendem ao holismo. O subterrâneo de algumas das lutas políticas de hoje é entre individualismo e coletivismo. Entre os engajados na milenar aventura da individualidade e os nostálgicos dos refúgios e certezas de tribos que não existem mais.
O germe desse movimento, ainda que involuntário, foram os bispados católicos na Europa, pregando um modelo de família. Onde eles são mais antigos, maior é o ethos individualista. Portanto, se você não gosta de como tem soprado o vento da história ocidental, vá reclamar com o bispo.