Peço desculpas antecipadas ao leitor, mas o uso de palavrões neste caso é incontornável. O assunto também é obsceno. Portanto, tirem as crianças da sala.
Quando pensamos já ter visto tudo no campo da bestialidade, chega o anestesista Giovanni Quintella Bezerra, preso na semana passada. Sedou uma mulher para estuprá-la durante o parto. Existe um vídeo inequívoco do ataque. Foi filmado executando a torpeza. Desconfiadas de atitudes estranhas, enfermeiras do hospital ocultaram um celular com a câmera ligada. Como o vídeo foi visto depois, ninguém parou o ato. Primeiro golpe, nem salas de parto são seguras para as mulheres.
Pensar no nexo desta brutalidade talvez nos devolva a crença na humanidade. Vamos lá. Lembrei da palavra motherfucker, o pior xingamento da língua inglesa. Costumam traduzir erradamente por filho da puta; cujo significado equivalente seria bastard. Nos dois casos, a ofensa é dirigida à origem materna do sujeito. Aqui por ser puta, lá por conceber fora do casamento. Ataca à ascendência supostamente degradada. Embutido nessa lógica, em ambos casos, o ofendido não tem pai. Considere que bastard forjou-se quando ser bastardo era uma desventura. Em português, a palavra ruma à extinção, e já vai tarde.
Para motherfucker não existe tradução direta porque não há equivalência. Palavra por palavra, seria "fodedor de mãe". Ou seja, xinga-se um sujeito por ele não possuir a mais elementar das regras que nos torna humanos. Seria alguém que quebra a regra do incesto da pior maneira. Portanto estaria na animalidade, onde as regras quanto ao incesto ou não existem, ou são apenas rascunhadas. Maneira potencializada de chamar alguém de animal. Lembrem-se, temos uma obsessão em nos distinguir da natureza da qual fazemos parte.
Quando a criança começa a entender o mundo recebe um recado: nem tudo pode. A essência da civilização roda em torno disso: no campo amoroso/sexual existe uma lei que não pode ser quebrada. Não há sociedade humana sem interdição do incesto. O que varia - e como varia - é quem é proibido para quem. Existem muitos arranjos, todos têm uma coisa em comum: quem quebra a regra é condenado inapelavelmente. Nas sociedades antigas o castigo era a morte.
O que caracteriza o perverso é a não submissão à lei. Tanto que ocultamente tenta burlá-la. Existem inúmeras perversões, certamente a mais lesiva é a pedofilia, e a repulsiva que coroa a lista é o incesto materno. Aqui entra a justeza do significado de motherfucker para Giovanni, que não há em português. Uma parturiente vive um momento mágico no qual ser mãe está sublinhado. Nos choca tanto este estupro porque ele ataca o simbolismo materno, o mais sagrados dos tabus. Só uma palavra chula define esta besta. Quem agride o cerne da lei torna-se o mais abjeto dos seres.