Em um artigo na Folha de São Paulo da semana passada, o colunista Luiz Felipe Pondé ressuscitou a nefasta ideia de "mãe-geladeira". O texto não é infeliz apenas nisto, ele insinua que ter filho autista estaria na esfera do modismo.
Para quem não é da área, a "mãe geladeira" era o resumo do que se entendia como a causa do autismo, fruto de uma mãe que não conseguia cumprir a função de amar e acolher seu filho a contento para que ele alcançasse um desenvolvimento normal. Ela seria afetivamente fria, mais interessada em si do que em seu bebê. Até existem mães e pais que devastam a subjetividade dos filhos, mas apenas na minoria dos casos.
O autismo não tem causa única, mas a prevalência genética é irrefutável. Nem careceriam os estudos, posteriores, para suspeitar do óbvio. A título de evidência, há um desequilíbrio de quatro vezes mais em meninos do que em meninas.
Apesar da eloquência das pesquisas, admitir que quadros neurodivergentes ou doenças mentais possam ter origem genética enfrenta forte rejeição. Nós humanos temos terror das contingências, preferimos ideias que reforcem a possibilidade do controle, rechaçamos ser governados por genes. Que leigos pensem assim é esperado, mas quanto aos profissionais da saúde e do comportamento, não se justifica o desconhecimento dos fatos.
É fácil tirar da tumba a mãe geladeira, pois é um zumbi mal enterrado. Faltam retratações no campo psi, especialmente da psicanálise que popularizou o termo através de Bruno Bettelheim, sobre este que é um dos seus mais grosseiros erros.
Anos atrás, uma mãe não tinha só o problema de lidar com seu filho autista, que requer cuidados distintos, como era cruelmente responsabilizada pelo fato do filho ser diferente. Os terapeutas recebiam uma mãe exausta por não saber cuidar de seu filho e com uma sensação de pasmo por não entender o que estava acontecendo. Não parece estranho que se sentisse desconectada dele. Os profissionais tomavam consequência por causa e lhe atribuíam a culpa pelo desengate.
Esta ideia de mãe geladeira surgiu quando as mulheres ganhavam espaço na vida pública e, ao mesmo tempo, lhes era sugerida a volta ao lar. Esse imbróglio foi mais uma das formas de mandá-las cuidar dos filhos - que seria sua função primordial - tanto que os pais nem entram na equação. Várias correntes da psicologia e da psiquiatria apoiaram uma etiologia que só se justifica pelo machismo.
A autocrítica não é o forte do meu campo. Não posso falar pelos outros, mas por mim, perdão senhoras.