Duas colunas atrás, escrevi sobre um caso de injustiça: uma falsa acusação de abuso que um professor sofreu durante um voo e acabou preso. Terminei o texto dizendo que qualquer um estaria sujeito a isso. Afinal, nesses casos, a acusação já é uma condenação. Hoje, em tempos do tribunal da internet, não esperamos as decisões da Justiça. Julgamos sem saber os detalhes e, rapidamente, os enviamos à fogueira.
Uma leitora escreveu fazendo uma importante precisão: “Qualquer um, não, os homens adultos correm este risco”. Ela pondera que o alerta procede, visto que nada se ganha com mais injustiças. Segue dizendo que esses equívocos prejudicam a busca dos verdadeiros culpados. Mas conclui com uma provocação certeira: “Se os homens adultos estão agora com medo de acusações, se isso constrói uma sensação de perigo para sua integridade, se andam tomando redobrados cuidados; sejam bem-vindos ao nosso mundo, nós, mulheres, conhecemos a apreensão desde sempre”.
Ela me desafia a encontrar uma mulher que nunca passou por um situação de abuso, ameaça de abuso, ou constrangimento sério, apenas por ser mulher. Sinceramente, eu sempre soube disso. Analistas vivem de ouvir histórias de vida e, realmente, não há, entre as mulheres que escutei, uma sequer sem um relato desagradável para contar. Atenção, estou falando do universo de mulheres que buscam tratamento por motivos variados, quando o abuso, ou algo do gênero, é um capítulo a mais de sua vida.
Quando engatam a falar do seu medo, narram situações em que tiveram que contar apenas consigo próprias para sair de uma ameaça. De como não há lugares seguros, às vezes nem dentro de casa. De como já se desiludiram com quem supostamente deveria cuidá-las. De como se autopoliciam no vestir e no falar. Enfim, do perigo que as espreita sempre e em qualquer lugar.
Esses são os momentos em que me envergonho de ser homem. Raros são os mal-entendidos, geralmente os episódios são de covardia, de assimetria de poder, de oportunismo canalha.
Nós, homens, não somos todos iguais, existem os que as respeitam, que as cuidam. O que, sim, temos todos em comum é não termos a dimensão do que as mulheres passam, esse medo nos é desconhecido. Isso faz com que às vezes até quem não tem má intenção possa criar um constrangimento.
Porém o pior mesmo, na versão delas, é quando nós, homens, queremos narrar o que elas passam. Quando nos arrogamos a saber melhor do que elas o que sentem. Quando nos protegemos dizendo que não foi bem assim, ou que elas exageram.
As conquistas da libertação feminina são recentíssimas, coisa de três gerações. A dominação masculina é milenar, levaremos bom tempo para abandonar nossa selvageria. Isso não é um pedido de clemência, não há perdão para os abusos. E, depois de tanto apagamento delas, é difícil pedir paciência...