Está aí um bom xingamento: seu animal! Parente do: sua besta! Usamos para dizer que alguém não é civilizado, que está preso aos instintos primários, atolado na lama de seu DNA. Portanto, o cretino a quem dirigimos a ofensa, não teria se beneficiado dos atributos da cultura e do estudo, da possibilidade de elevar-se um degrau acima do que a biologia teria lhe reservado.
Uma questão espinhosa para pensar: se os animais tivessem bons advogados, eles poderiam abrir um processo contra os humanos por calúnia e difamação? Você pode até rir, mas vamos a um fato: em relação às fêmeas, qual é a outra espécie que mata suas companheiras? Se não te ocorre, não é porque esqueceste das aulas de biologia e etologia, é porque não existe. Pode haver infanticídio, matar filhos de outras uniões, comportamento bastante difundido, mas matar fêmeas coetâneas não há registro.
Então, podemos falar de animalidade em relação ao cuidados dos filhotes, mas quanto à brutalidade entre os gêneros a conversa é diferente. Outra questão: existe estupro na natureza — estamos falando de relações não consentidas, quando a fêmea não está no estro, ou não escolheu o tal parceiro que se apresenta — mas são mais raros do que entre humanos, e os animais tampouco matam as fêmeas após este ato. Os golfinhos tem um bom departamento de marketing, consideramos eles fofinhos, mas são talvez os mais assediadores entre os mamíferos.
Nossos parentes próximos, os chipanzés, são violentos entre si. Emboscam machos de grupos vizinhos para matá-los, assassinam pelo poder, mas não matam fêmeas. Para o paleoantropologo francês Pascal Picq, os humanos são a espécie mais violenta em relação ao sexo feminino. Segundo ele, entre os mamíferos, existe geralmente pouca coerção sexual contra as fêmeas. Estatisticamente, nós, humanos, é que somos o ponto fora da curva.
Para ele, a violência contra as mulheres é principalmente uma questão social e não genética. Não que entre os animais as fêmeas vivam em idílio com seus pares. Talvez entre os bonobos, para ficar entre as espécimes próximas, haja uma relação de certo equilíbrio de poder. De qualquer forma, entre os primatas, considerando a assimetria de poder e violência entre os gêneros, pensando na letalidade e maus-tratos, os humanos batem em crueldade orangotangos, gorilas e chipanzés.
Portanto, nosso xingamento não procede. Vamos ter que encarar que são nossas crenças e instituições que nos impelem ao desequilíbrio. A boa notícia é que é mais fácil de mudar. Não havendo nada atávico, somos prisioneiros da nossa história. São milênios de mulheres sendo caladas à força de pancadas. Besta somos nós. Só eu que tenho vergonha disso?