Dia dos Namorados, no ano passado em Brasília: o sargento reformado Juenil Bonfim de Queiroz matou sua mulher e um vizinho. Justificou o ato dizendo que sua mulher tivera um caso com o falecido.
A sequência foi assim: Juenil chamou o vizinho em sua casa para uma conversa. Sem desconfiar do intento, o companheiro foi junto. Sim, o vizinho era gay e vivia com o parceiro. Todos sabiam, eram um casal assumido. Na frente do casal e de sua mulher, o militar exigiu da sua companheira, e do vizinho, que confessassem o affaire.
O trio, pasmo com a acusação, mais do que descabida, que ignorava qualquer indício de lógica, negou o fato. O sargento então disparou e matou sua mulher e o suposto amante.
Freud classifica o ciúme em três categorias. Primeiro, o ciúme motivado pelo medo de perda do objeto amado. Digamos, seria a forma normal. Depois existe o ciúme em um tom acima, o ciúme grave. Isso acontece quando alguém projeta no outro seus próprios sentimentos. Exemplo, um homem se excita vendo mulheres na rua e, quando chega em casa, briga com a mulher. Acusa-a de seus próprios impulsos, acreditando que ela é como ele, que olha com desejo para terceiros.
O último tipo de ciúme também é projetivo, mas o desejo primário seria homossexual. Exemplo, um homem se sente atraído por outro, não admite nem para si essa ideia, e ela retorna como sendo a esposa dele que desejaria esse terceiro que está na sua cabeça. Ou seja, um ciúme delirante para esconder o primeiro impulso homoerótico.
O exemplo de Brasília ilustra esse ciúme psicótico. Como que alguém, em sã consciência, imaginaria que um gay estaria interessado em sua mulher?
O óbvio seria pensar que ele, o marido furioso, é que estaria atraído pelo vizinho. Negava o fato para si e para o mundo, e estaria disposto a matar quem revelasse sua verdade.
Lembro o fato para tentar elucidar a morte de Liziane Beatriz Bastos. Esquartejada na semana passada em Santa Rosa pelo seu namorado, Jandir Scarantti. Depois do assassinato, ele se matou. Apostaria um perdigueiro e uma cartucheira que o assassino tinha um problema similar ao de Juenil. Pensem, ele não deixava Liziane falar com nenhum homem, nem os da família dela. Portanto, qualquer outro homem o deixava perturbado. Vocês podem me dizer por quê?
Misoginia e machismo, duas formas de odiar as mulheres, matam, homofobia também. Sempre que se impõe uma visão totalitária do amor, do sexo, assim como da feminilidade e da virilidade, abre-se a porta da tragédia. Não são os desejos em si, nem jeitos de viver, que produzem danos, e sim sua repressão. Quanto mais recalcados, piores as consequências: os suicídios frequentemente também trazem essa arquitetura. Do armário, onde se quer que os homossexuais permaneçam, só saem esqueletos.