Foram 60 vidraças estilhaçadas. Um jovem pegou o caminhão de fretes do pai e saiu, junto com um funcionário da empresa, a quebrar vidraças numa madrugada com uma arma de pressão. A ação começou em Porto Alegre e se estendeu a Viamão e Gravataí.
Descoberto, o jovem não teve justificativa convincente para seu ato, tampouco o vandalismo combina com sua vida pregressa. Como entender isso?
Não conheço esse jovem. Vou fazer uma hipótese baseado em casos de vandalismo que acompanhei de perto, talvez guardem semelhanças. Aliás, analisando adultos normais, não é raro encontrar algum episódio transgressivo no seu passado adolescente, do qual o sujeito se envergonha e não sabe explicar por que fez o que fez.
A adolescência sabe ser sombria e, quando emudecida, tende a ser pior. Atuações perigosas são mais comuns em quem sente-se condenado a ocultar o que sente e pensa. Quem trabalha com adolescentes sabe que, nesses casos, são mais frequentes os comportamento agressivos, toxicômanos, destrutivos, automutilações e até risco de suicídio.
Como uma panela de pressão, o adolescente precisa de válvula para sua angústia. O que esvazia a pressão é a possibilidade de expressar a agressividade de outra forma. Às vezes, simplesmente poder dizer que odeia a todos e que quer que o mundo se exploda. Em resumo: a intimidade com as suas pulsões agressivas, aliada à possibilidade de expressá-las, tem o poder de refrear os atos.
Saber viver em sociedade é domar e/ou canalizar nossas tendências destrutivas. Na adolescência ainda não temos carteira de habilitação das nossas condutas, temos medo de perder o controle. O jovem não dá conta sozinho do carrossel de sentimentos de que pode ser tomado, a força do ódio ou a premência do desejo podem ser inebriantes.
Certos discursos, como o religioso, ou mesmo o do politicamente correto, não dispõem ou aceitam as zonas cinzas das emoções humanas. Para estes, existe o preto e o branco, o bem e o mal, e isso deixa uma pessoa desarmada para entender e suportar as contradições que vive. Não conseguem representar a pluralidade do que experimenta, especialmente sua inexplicável agressividade com quem ama. Porém, crescer é viver tempestades de amor e ódio pelos mais próximos.
Adolescer é nascer outra vez, desta vez para a sociedade. O adolescente já tem o amor paterno, o desafio é inserir-se no mundo, criar uma respeitabilidade entre seus coetâneos. Sair de casa, no sentido metafórico, sair do guarda-chuva afetivo dos pais, é sua missão.
Quando fracassa em circular socialmente, acaba odiando os pais por projeção, acusa-os de querer retê-lo em seu mundo caseiro. Ou então, ataca genericamente o mundo que não o “quer”, e produz vandalismo aleatório, azar do que estiver pela frente.