Quando era estudante, classificava meus professores. Minhas categorias eram: almas penadas, professores de conteúdo e professores de entusiasmo. É tão antigo o raciocínio, que não lembro se fui influenciado por um colega, ou inventei sozinho, ou ainda li em algum lugar.
As almas penadas são professores que estão no cargo por acaso, por falta de outra opção, equívoco de rumo, e certamente nenhuma aptidão pedagógica. Estão com os olhos sempre no futuro, o fim do período, o fim de semana, o fim do ano, a aposentadoria. Tudo o que os livre da ingrata tarefa de enfrentar seus alunos.
Seu trabalho é o primeiro tempo do purgatório.
Os alunos intuitivamente percebem a pena e ajudam a incrementar seu sofrimento.
Os professores de conteúdo são militantes de sua matéria. Dominam um tema e, com maior ou menor entusiasmo, passam aos alunos os mistérios da disciplina. São rigorosos, tendem à ortodoxia, exigem respeito pelo seu saber. Não saímos iguais desse encontro. A gratidão para com eles leva um tempo, temos que assimilar a justeza das reguadas verbais que recebemos.
Os professores de entusiasmo são raros. Possuem uma ambição maior do que a disciplina, sua missão é menos nos passar o conteúdo e mais nos explicar por que a disciplina é essencial. Além disso desbordam o tema e o costuram com outras matérias afins, abrindo nossa cabeça para outras possibilidades. Como tendem à heterodoxia, instigam a pensar com um vocabulário próprio e não macaquear o dialeto dos iniciados. Sua questão de fundo é nos ganhar para uma relação com o saber e não com um conteúdo específico.
Claro, essas são as formas puras, cada professor é uma mistura, um blend dessas categorias. Não raro amadurecem ganhando mais ou menos características das formas básicas. O professor ideal seria o exato termo médio entre as duas últimas categorias.
Essa conversa é a propósito do desafio de manter meu ânimo. Faz uns dias, perdi um amigo e melhor professor de entusiasmo no que toca a psicanálise, Contardo Calligaris. Como ficamos quando os mestres se vão? Manterei o entusiasmo que ele me passou?
A tarefa é a mesma: manter a psicanálise viva. Contardo acreditava que a psicanálise nunca está pronta e é reinventada a cada tanto. Os tempos e os sofrimentos não são os mesmos, bem como outras áreas avançam e contribuem para a teoria. Estamos sempre refazendo os fundamentos de uma obra aberta.
Menos mal que sigo perto do meu professor de entusiasmo da faculdade, professor Luiz Osvaldo Leite. Existem vidas que em si são um ensinamento. Mais do que apregoar que a vida vale a pena, sua forma de percorrê-la demonstra toda a vivacidade que uma existência pode conter. É um privilégio conhecer de perto pessoas que têm no amor ao saber o centro de suas interessantes trajetórias.