No futuro vão dizer que vivemos a época do celular, refiro-me à sua versão smartphone. Poucas vezes uma nova ferramenta mudou tanto nossos hábitos. Na verdade, é uma caixa delas. Versão atual do canivete suíço, um aparelho com múltiplas funções.
Destaca-se a filmadora. Sua difusão, todos a têm em mãos, aliada à facilidade de uso e compartilhamento, causou uma proliferação de vídeos. Boa parte deles é bizarra, toda sorte de estupidez é filmada. Embora ofenda a sensibilidade de muitos, a minha inclusive, não me incomodo, pelas vantagens que traz. Primeira: o mundo não está mais idiota e brutal, o que temos é a transparência das cretinices. Assim é a humanidade, quando pensar nela compute esse dado junto. Segundo: revela-se quem são os idiotas, e é sempre útil saber com quem estamos lidando.
Não é raro que filmem seus próprios delitos, produzindo provas contra si mesmos. Costumamos interpretar como certeza de impunidade. Em parte, sim, mas quem faz isso é sem noção. Há uma dose de estupidez no ato: na ânsia de mostrarem seus feitos, passam por cima de tudo. Afinal, isso os representa, é sua história, sua performance. Acreditem, vão seguir filmando, justamente por serem pouco dotados de inteligência social. Entendo a dor das vítimas e dos familiares, o vídeo é um sofrimento extra. Por outro lado, facilita a punição. A repercussão causa clamor e a justiça chega mais rápido.
Temos dificuldade para falar do que em mais tropeçamos, a burrice. O politicamente correto não permite avançar no tema, fica uma ideia implícita de que, se alguém é ignorante, bruto, seria porque algo falhou na sua educação. Esquecem que existem duas formas de deficiência cognitiva: uma por real, que esbarra no orgânico, e outra por opção. Sim, pode ser uma escolha, um estilo ligado às supostas vantagens da rudeza, da falta de sensibilidade e dos valores bairristas. Alguns homens sentem como se a cultura os emasculasse.
No episódio recente da Rússia, o ato machista frente a uma garota local, nossos compatriotas tinham educação superior. Não foram as faculdades que falharam, foram eles. Optaram por ser a eterna turma do fundão zoando com todos.
É mais fácil ser tosco, nascemos assim. Construir uma civilidade, ter bons modos, ser capaz de tolerância com a diferença, empatia para com o sofrimento alheio, se faz através de educação e dá trabalho. É preciso ter alguém nas duas pontas, quem ensine e quem tenha vontade de aprender. A aquisição de conhecimento amadurece e uma mínima maturidade é premissa para a cidadania.
A deficiência de valores, de condições de convívio social, deveria ganhar uma denominação: assim como existe a inteligência emocional, deveria existir a cívica. Mas o que fazer com uma deficiência da qual o sujeito, longe de querer superar-se, se orgulha?