O pai era de parcas palavras, o filho ávido delas. Estavam pouco juntos e sempre imersos na névoa do silêncio. Como aprender com esse laconismo? Como saber o que o pai pensa? O que ele valoriza?
Não parecia uma omissão paterna, era apenas alguém sem o hábito das palavras. Afinal, ele nunca falhava. Na hora prometida, estava lá contente para buscá-lo. Passavam todos os domingos juntos, metade do tempo assistindo futebol. A tristeza da tardinha de domingo vinha em dobro, era hora de voltar para casa.
Com a mãe, sobravam palavras, metade delas para dizer que seu pai era isso ou aquilo. Amava os dois e lhe doía não juntar as pontas de seu universo afetivo. Sentia que era dois, um para o pai, outro para a mãe. Um menino que ia à escola e outro ao futebol. Dois mundos sem conexão.
Quando ele me procurou, disse que sua ligação com o pai era apenas o futebol. Que adorava os domingos por evocar a presença do pai que já se fora, que ir ao estádio tinha a força espiritual de uma missa e a magia de todos os circos. O legado paterno recebido seria o amor ao clube, ao ruído da torcida, ao grito de gol. Respeitava o pai, mas nas entrelinhas deixava entender que fora um homem sem muito para dizer, amoroso mas simplório.
Assim seguimos, até que uma lembrança mudou a percepção. Era um conselho ouvido quando voltavam tristes do estádio, mais uma derrota. Estavam em um ano ruim, o anterior fora péssimo e o futuro parecia negro. O pai rompera o mutismo para lhe dizer que na vida o mais importante era suportar esses momentos. Que os dias ruins passam e que não podemos nos afetar pelo amargor da derrota.
A lembrança trouxe outras falas. Todas parentes, remetem aos momentos difíceis que passaram depois de infortúnios futebolísticos. Finalmente ele acorda para a filosofia do pai. O futebol era um meio, a mensagem era sobre a dureza da vida, a energia que temos que ter para seguir adiante apesar de tudo. Simplório fora ele em demorar a se dar conta de que sua força provinha dessas lições de resiliência vividas juntos.
Ele se julga um espartano, não reclama de missão, não esmorece aos tropeços da vida. Como esquecera da forja das palavras que o fizeram forte? Lembra também que o pai passava repetindo a frase: o futebol é a mais importante das desimportâncias. Não era o time, mas a perseverança que contava.
Hoje, que ele é pai, percebe que não costumamos ensinar aos filhos o crucial: a vida é dura. Criamos os pequenos numa bolha de ilusão que estoura na adolescência. Não os preparamos para o infortúnio, não discursamos sobre as derrotas, as perdas, e elas são a única certeza nessa vida. Ensinamos a ganhar, a dizer que serão vencedores. Ensinamos o fácil e esquecemos o essencial, aquilo que tempera o caráter: saber suportar as derrotas sem esmorecer.