Há alguns dias, um adolescente de Viamão nos abandonou e inquietou, mais uma vez, a comunidade escolar. Como enfrentar um problema do qual não falamos?
Durante anos, estivemos amarrados por um consenso: o chamado efeito Werther. O nome deve-se a um personagem de uma novela de Goethe. Uma onda de suicídios na Europa foi atribuída ao livro: Os Sofrimentos do Jovem Werther. Partíamos do pressuposto de que falar sobre o suicídio, ou mesmo notificá-lo, incrementaria sua incidência. Ainda estamos assim, calados, enquanto os índices sobem.
Precisamos rever essa posição e construir um discurso social ativo. Não se trata de simplesmente revogar o silêncio, há sabedoria nele. Fazer sensacionalismo com a tragédia, além de terminar de destroçar os envolvidos pela perda, pode, sim, ser perigoso. Muitas vezes, um suicídio visa conseguir uma visibilidade social, ainda que negativa. Ele pode ser uma agressão social, mirando atingir a quem, supostamente, não teria amado, ou respeitado, suficientemente. Portanto, não devemos dar manchetes aos suicidas.
Ano passado, os estúdios da Netflix produziram uma série sobre uma adolescente suicida: Os Treze Porquês. Qualquer profissional da área a desaconselharia, temendo os efeitos de imitação. Sucedeu o contrário, nada de emulação e milhares de jovens falando e pedindo ajuda. Por quê?
Primeiro, os jovens querem falar sobre o assunto, quase não existe adolescência sem pensamentos de desistência. Você não se lembra? Segundo, porque os autores inovaram na abordagem. A representação usual do suicida é a do herói romântico: uma alma sensível, ímpar, deslocada, em um mundo que não o compreende, e que não é bom o suficiente para ele. A desistência seria sair por cima, preservando sua pureza, dizendo que o mundo não o merece.
Hannah, a heroína do seriado, começa assim, mas como seus argumentos foram levados ao limite, eles desmoronam por si só e ela vira uma personagem que ninguém quer ser. Até podemos escutar e nos identificar com seu sofrimento legítimo, diga-se, mas ela é tão egoísta, tão autocentrada, que vira o fio. Seu gesto suicida desvela uma agressividade, uma vontade de distribuir culpas, de estar no centro e manipular a todos, que a torna detestável.
Se os roteiristas conseguiram criar uma trama que aborda o drama sem conclamar a que ele se repita, por que nós, profissionais da saúde, não conseguiríamos o mesmo? Precisamos ajudar os pais e professores a ter palavras mais sábias e eficazes para enfrentar um problema que é de todos. É necessário um discurso que reconheça a dor do suicida, que sublinhe a violência envolvida, e que lhe aponte outras saídas. Afinal, não são as histórias que matam, nem os exemplos, mas a falta de um discurso que contemple o sofrimento e nos ensine a pensá-lo.