O anúncio, na última semana, pelo presidente Temer, da construção de um presídio federal no RS foi comemorado pelo governo estadual. Pelas declarações veiculadas pela imprensa, percebeu-se uma genuína alegria oficial. Sinceramente, a reação me pareceu estranhíssima.
Para compreender do que se trata, é necessário lembrar que os presídios federais foram criados para receber presos considerados especialmente perigosos. Nos termos do art. 3º do decreto nº 6.877, de 2009, uma das condições de inclusão no sistema é: "Ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa". A ideia, assim, foi a de criar espaços – preferencialmente em locais distanciados dos maiores centros urbanos – para isolar lideranças criminais. Não por acaso, não há presídios federais em São Paulo e Rio de Janeiro, onde atuam as facções mais organizadas. Os presídios federais em funcionamento (Catanduvas, Campo Grande, Mossoró e Porto Velho) são de segurança máxima, aos moldes das Supermax americanas e recebem também presos em regime disciplinar diferenciado (RDD), o que exige celas com poços de luz individuais, para evitar o contato com os demais internos. Não há qualquer necessidade de novos presídios desse tipo no Brasil, ainda mais tendo-se em conta que um quinto estabelecimento dessa natureza está sendo construído em Brasília.
Um presídio federal no RS trará para cá lideranças de grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). O risco maior é o de contaminação com as facções criminais locais. Nossas quadrilhas são suficientemente perigosas para aterrorizar populações de bairros inteiros e para travar uma guerra em toda a Região Metropolitana, mas, comparadas com o PCC, são estruturas amadoras. Tudo o que o RS não precisa é de uma associação nacional de suas facções. O risco passa a ser ainda maior quando sabemos que o processo de paz na Colômbia, com a consequente desmobilização das Farc, abre uma nova agenda para os grupos criminais nacionais: o controle de rotas estratégicas para a distribuição de cocaína no continente. Para alcançar essa posição, há uma guerra em curso, o que, somado à negligência do poder público e à indiferença da sociedade, produziu os dois banhos de sangue em Manaus e Boa Vista.
A gestão dos presídios federais é do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. O governo estadual não terá, portanto, qualquer ingerência no novo estabelecimento, que não produzirá efeito quanto à superlotação das prisões gaúchas, nem poderá funcionar como instância reguladora de modo a isolar presos a juízo das autoridades locais. Com os recursos a serem despendidos em um presídio federal, entretanto (não menos que R$ 40 milhões), seria possível desenvolver iniciativas estratégicas de prevenção à violência ou mesmo construir várias unidades prisionais regionais, desde que a partir de projetos arquitetônicos inovadores, em tudo diversos do padrão de "caixotes de concreto" reproduzido desde o século 19 no Brasil, um modelo que degrada a execução penal e que só é comemorado pelas empreiteiras. Fosse o caso de admitir um presídio federal no RS, seria necessário exigir da União várias medidas compensatórias. Diante da gravidade dos riscos, entretanto, nem outros investimentos aconselhariam a aceitação do projeto.
Em síntese, alguém precisa avisar os troianos de que o vistoso presente deixado na porta da cidade deve ser recusado.
Em tempo:
1. O título desta coluna me foi sugerido pela leitura de uma postagem do juiz Sidinei Brzuska em sua página no Facebook. Brzuska é uma das pessoas que mais conhecem a realidade prisional do Estado. Pelos mesmos motivos expostos, ele também é contra a construção de um presídio federal no RS.
2. Li, em ZH do último final de semana, artigo de um senhor que confessa o crime de sonegação fiscal e que faz a apologia do crime. O texto é bem ruinzinho, mas muito interessante para a polícia. Deveria ter produzido uma onda de indignação, mas não. Talvez porque o autor seja aquilo que o senso comum identifica como "pessoa de bem".
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