Na queda de braço entre os abusos do ministro Alexandre de Moraes e a fanfarronice de Elon Musk, não há vencedores, mas a pendenga só ocupa o tempo e a paciência dos brasileiros porque há um vácuo legal no funcionamento das mega plataformas de tecnologia. A falta de regras para as big techs já foi resolvida em boa parte das democracias. Por aqui, como quase tudo, o tema resvalou para a fossa da polarização e ali ficou.
A inércia do Congresso em produzir uma legislação moderna e sensata para as big techs abriu brechas para a censura judicial, de um lado, e interpretações bisonhas da liberdade de expressão, de outro. A lógica para uma regulamentação é simples. No capitalismo, qualquer empresa deve ter, além da papelada legal, uma licença moral para operar. Essa condição prevê que toda empresa é responsável pela forma como faz dinheiro. Um supermercado que vende comida estragada e intoxica a clientela, por exemplo, não pode alegar que nada tem a ver com o caso porque é só um intermediário de alimentos.
É o mesmo com as redes sociais. Vá lá que elas não tenham responsabilidade objetiva por um post qualquer perdido no oceano de comentários, mas uma postagem que recebe impulso, ou seja, é promovida mediante pagamento, faturado e registrado pela big tech, é a forma mais ordinária de como ela ganha dinheiro - e que dinheiro. Não há razão legal ou moral, portanto, para que algumas das maiores empresas do mundo tirem o corpo fora de um princípio que vale para o armazém da esquina.
Regulações externas só devem ser adotadas em casos de ineficácia da autorregulação ou de vácuos legais, como se vê agora. Um bom modelo poderia começar pelo cumprimento, tanto pelo STF como pelas redes sociais, do primado inscrito no inciso IV do artigo 5 da Constituição: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. O fim das contas falsas, ou anônimas, já seria um grande avanço na contenção das fraudes contra anunciantes e das covardias morais praticadas nas sombras das redes sociais.
A liberdade de expressão deve ser ampla e abrigar até mesmo os imbecis e cretinos, mas ela não é absoluta. Um exemplo: qualquer um pode, sem ofender os que pensam diferente, argumentar que Deus não existe. Mas estimular a perseguição aos que creem é inaceitável. É uma situação impensável? Nem tanto. Na Nigéria, mais de 6 mil cristãos foram mortos nos últimos três anos, em grande parte por uma onda de ódio que polui as redes sociais.
Entender que a apologia ao crime não se mistura com liberdade de expressão é começar a entender por que nenhuma atividade econômica, não importa qual seja, pode lavar as mãos de suas responsabilidades legais e morais com a sociedade e a civilização.