Nem os 60 anos do golpe de 64 e nem os 10 anos da Lava-Jato. A data redonda demarcada este ano que mais transformações legou no dia-a-dia dos brasileiros são as três décadas de Plano Real. Para quem tem menos de 35 anos e nada lembra daquela vida viciada em inflação, conto duas historinhas.
Num belo dia de 1994, percebi que a coisa estava por explodir quando, consertando um pneu, ouvi um borracheiro comentar com outro: “Sobrou uma grana e comprei 10 dólares”. Era desse jeito que os mais pobres, quando podiam, se protegiam da avassaladora desvalorização diária da moeda. Os remediados colocavam o salário no overnight, com rendimento diário no banco. Foi assim que eu e minha esposa saímos de férias de carro pelo Brasil em março de 1989, quando a inflação chegou a inacreditáveis 81% no mês e a 1.782% no ano. A cada dois ou três dias íamos a uma agência bancária e sacávamos uma maçaroca de notas para pagar despesas como o combustível – gasolina, felizmente, porque faltava álcool nos postos.
O plano que pôs fim à desgraceira inflacionária foi a mais genial arquitetura econômica da história do Brasil. Quem a concebeu, com Fernando Henrique Cardoso à frente de um timaço de economistas, merecia o Prêmio Nobel e estátuas em praças públicas, onde se reverenciariam a responsabilidade fiscal e a inflação baixa, um casamento que beneficia principalmente os mais pobres. Quis a política, porém, lançar maldições contra quem luta para conter a inflação, como o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Lá fora, o BC foi escolhido em março pela revista Central Banking como o melhor banco central do planeta. Aqui, jogam pedra sem parar em Campos por causa da taxa de juros. Ruim com ela, mas se os poderes, com o executivo à frente, cortarem gastos a fundo, ela vira um índice europeu.
Revivo aqueles dias de 1994 pela seção Há 30 Anos em ZH, quando, como editor-chefe de Zero Hora, costurávamos as capas com os detalhes sobre a montagem do plano, sem deixar de registrar os narizes torcidos. A esquerda-raiz, ressalve-se, era contra o Real porque tinha, e segue tendo, um ideário estatizante similar ao dos governos militares. Foi o regime militar, aquele que alguns queriam trazer de volta, que criou 274 estatais e aplicou um projeto desenvolvimentista à custa do endividamento interno e externo. O resultado da emissão tresloucada de moeda foi a hiperinflação.
Pois ainda há quem desdenhe de déficit e inflação porque governos seriam eleitos para gastar a rodo. Quem ignora como era a vida antes do Plano Real pode olhar aqui do lado para ter uma ideia. A Argentina teve de eleger um sujeito doido o suficiente para tentar interromper na marra a sangria irresponsável. Falta, contudo, um Plano Real para Javier Milei. Desta vez, o Brasil deveria ser a Argentina amanhã.