Entre as dúvidas sobre a presença de aliados no ato de Jair Bolsonaro neste domingo em São Paulo, está um personagem-chave para esclarecer a extensão da trama golpista contra o resultado das eleições presidenciais de 2022. Candidato a vice de Bolsonaro, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, o general da reserva Walter Braga Netto surge em diferentes papéis no enredo que vem sendo descoberto pela Polícia Federal.
O Braga Netto que se conhecia em público foi comandante militar do Leste e, nesta condição, interventor federal na segurança do Rio em 2018. Seu prestígio no círculo de poder e a discrição com que se movimentava entre os fanáticos do Planalto guindaram-no à vice na chapa e à intimidade de Bolsonaro no exílio do Alvorada após a derrota eleitoral.
O Braga Netto exposto pela Operação Tempus Veritatis é outro. Em troca de mensagens, ele chama um interlocutor enredado com a lei, o ex-capitão Ailton Barros, de “meu amigo”. Gaúcho do Alegrete, Barros se declarava muito próximo de Bolsonaro, de quem se dizia o “01”. De fato, em uma gravação, Bolsonaro descreve-o como “segundo irmão”. Ambos tiveram muito em comum na carreira na caserna: atormentaram superiores, desrespeitaram códigos militares e foram presos por indisciplina. Entre 1997 e 2006, Barros foi detido sete vezes, uma delas por tentativa de abuso sexual de uma moça durante acampamento militar em Natal. Acabou sendo expulso do Exército por “reiterada conduta irregular de atos que afetam o pundonor e o decoro da classe”, virou advogado e tentou uma carreira de deputado na sombra de Bolsonaro.
Na improvável amizade entre um general de Exército da reserva e um ex-capitão expulso da força, não há só inconfidências, como a de chamar o então comandante do Exército, Freire Gomes, de “cagão”. Há um ex-oficial general que chegou à mais alta patente militar agindo contra antigos pares da forma mais vil que se tem registro na história recente das Forças. Braga Netto simplesmente orienta Barros a desfechar ataques virtuais a oficiais-generais que se negavam a embarcar no delírio golpista. “Inferniza a vida dele e da família”, explicita o ex-general de quatro estrelas, direcionando o ataque ao então comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Baptista Júnior.
Barros é um frequentador de inquéritos, como o da falsificação do cartão de vacinação da covid e da morte de Marielle Franco, depois de flagrado em uma mensagem de áudio dizendo que sabia quem tinha mandado matá-la – o que atribuiu mais tarde a uma “bravata”. É um peixe pequeno para trabalhos sujos que ainda terá de dar muitas explicações. Mas não tantas como o ex-general que sustentou Bolsonaro na tarefa de corroer a coesão e a reputação das Forças Armadas por uma incontrolável ambição de poder.