Marca de governos populistas, a fúria regulatória na Argentina chegou a tal despautério que é questão de tempo para que o cipoal de regras absurdas seja implodido, como propõe o presidente Javier Milei. Um exemplo? A Lei das Gôndolas, revogada por Milei, impunha aos comerciantes que nenhum rótulo poderia ocupar mais de 30% da prateleira do produto, deveria haver pelo menos quatro concorrentes, dos quais um de cooperativa ou pequena empresa, e serem apresentados do menor para o maior preço. Era um tormento.
A sanha intervencionista provocou um desastre no mercado de aluguéis na Argentina. A proibição de se mexer nos contratos por três anos, com reajuste anual em pesos em meio a uma brutal espiral inflacionária, fez sumir as ofertas. Antes da lei, em 2020, havia de 15 a 20 mil imóveis para alugar em Buenos Aires. Depois, nem 10% disso. Os gênios da regulação não previram que os donos de imóveis iriam elevar absurdamente o valor inicial para vencer a inflação ou transferi-los para plataformas digitais, com negociação por temporada em dólar. Com o canetaço de Milei, que restabeleceu a livre negociação em diferentes moedas, em meados de janeiro já havia de novo 7,7 mil imóveis para alugar.
Com seu jeito destrambelhado, Milei comprou brigas inúteis com o Papa e a China, mas agora cedeu ao pragmatismo para tentar salvar os fundamentos de sua Lei de Base e Ponto de Partida para a Liberdade. Não é uma missão simples. Na Argentina, quase todo setor sindical e empresarial tem uma lei ou norma para chamar de sua. Ou seja, ao tentar desatar a camisa de força intervencionista que aprisiona a Argentina, e cortar gastos de forma dramática, Milei abriu as portas do inferno para as poderosas forças de reação a mudanças.
O que vai sair desse caldo efervescente é uma incógnita, mas é difícil piorar. A Argentina conseguiu desbancar a Venezuela como a maior inflação do planeta, e tem de passar o pires todo mês para não quebrar de vez. O sofrimento do vizinho é um alerta para o Brasil, que se acha em berço esplêndido e segue faceiro na gastança. Dois números deviam tirar o sono por aqui antes que também marchemos na direção do descalabro. O abismo de R$ 231 bilhões nas contas públicas em 2023 é apenas a face mais recente desse risco.
Esta semana, a Folha de S. Paulo alertou que o déficit dos setores públicos com servidores aposentados chegou a incríveis R$ 6 trilhões. Somente na União, em 30 anos os gastos previdenciários passaram de 19,2% para 51,8% do total. O resultado: sobram míseros 0,6% do PIB para investimento em infraestrutura. Seja governo federal, Congresso ou Poder Judiciário, nenhum poder parece muito angustiado com rombos nas contas públicas – ao menos até a hora em que emerja um Milei por aqui.