As eleições deste sábado em uma ilha de 24 milhões de habitantes e pouco maior do que Alagoas são a segunda mais importante de 2024 – só ficam atrás das dos EUA quanto ao impacto no resto do mundo, Brasil inclusive. Os 19,3 milhões de eleitores que elegerão o novo presidente e o congresso de Taiwan definirão, em última análise, o grau de autonomia da ilha e, por consequência, como a China reagirá ao que considera uma província rebelde que promete reanexar, se preciso à força.
Fosse apenas isso, estaríamos diante de um conflito regional de alcance limitado. Mas não. De um lado, Taiwan é o símbolo de um mundo polarizado. A ilha é uma sólida democracia, com um dos mais altos índices de liberdade de imprensa da Terra e respeito a minorias. De outro lado, a China puxa o trem dos regimes autocráticos, com Rússia a bordo e Índia com um pé no estribo. Seus poderios azeitam acordos diplomáticos e fecham olhos a violências internas e ao rolo compressor externo.
O caldeirão não é atiçado só pela relevância da ilha na contenção de Pequim. Coreia do Sul, Japão, Filipinas e Austrália, que sentem de alguma forma o assédio chinês, acompanham a eleição com interesse máximo. O resto do mundo, que depende de chips de alta tecnologia para quase tudo – de celulares 5G a armas de última geração –, perscrutará a reação chinesa com respiração suspensa. Uma só empresa de Taiwan, a TSMC, produz sozinha mais da metade dos chips mais avançados do planeta, cruciais para a inteligência artificial. Uma paralisação na produção ou um cerco à ilha causariam um desastre econômico global maior do que a interrupção da venda de óleo e gás e russos.
Dos principais candidatos, o favorito é exatamente aquele que defende maior autonomia da ilha, o atual vice-presidente, William Lai Ching-te. Encontrei-o rapidamente em Taipei, a capital, em junho passado. “Temos de trazer o futebol brasileiro para Taiwan”, disse-me ele, em tom de brincadeira. Dado o recente histórico da Seleção, é melhor buscar outros fornecedores por enquanto. Nem de brincadeira qualquer dos candidatos a presidente ousa propor independência formal, mas a realidade é que boa parte do eleitorado desenvolveu uma identidade própria, muito mais ocidentalizada, e nem quer ouvir falar em Taiwan ser reabsorvida pelo gigante do continente. Taiwan foi cedida pela China ao Japão ao fim da guerra de 1895. Com a derrota japonesa na Segunda Guerra e o avanço comunista, a ilha se tornou refúgio dos opositores do regime, com Chiang Kai-shek à frente. Desde então, Taiwan é protegida pelos EUA. No momento, fora incursões rotineiras ao espaço aéreo taiwanês, a ofensiva chinesa se dá com fake news e ameaças que buscam influenciar as eleições. Com a abertura das urnas, o jogo político e militar poderá ficar ainda mais pesado. É bom cruzar os dedos por aqui também.