Dois enunciados simples da Organização Mundial da Saúde deveriam estar tatuados na mentalidade dos brasileiros. 1) Onde há água, há risco de afogamento. 2) Qualquer um pode se afogar, mas ninguém deveria.
No lugar dos alertas, o Brasil convive passivamente nas suas águas doces e salgadas com tragédias diárias que poderiam ser facilmente evitáveis. A cada dia, segundo a Sociedade Brasileira de Salvamento Aquático (Sobrasa), 15 brasileiros perdem a vida por afogamento. Maior dor ainda: grande parte das vítimas são crianças e jovens que não terão um futuro por mera negligência ou porque houve um descuido de segundos.
Muitas vidas seriam salvas se não fosse a contumaz irresponsabilidade brasileira, que atribui tragédias preveníveis a vontades divinas ou ao acaso. Botes afundam, canoas viram facilmente, mas adultos não raro os enchem de amigos e familiares sem coletes salva-vidas. Um colete para crianças sai por R$ 65. Para adultos, menos do dobro. Esse é o preço que se dá a uma vida a cada vez que pescarias, passeios ou transporte por rios e lagoas acabam como tristes notícias no jornal.
A Sobrasa e a OMS têm em seus sites uma série de recomendações simples para se prevenir afogamentos. Há uma atenção especial para águas doces, onde ocorrem 70% dos afogamentos, e para crianças pequenas – quatro morrem afogadas por dia no Brasil, muitas em piscinas caseiras. Quando próximas à agua, crianças devem estar ao alcance de um braço. E devem ser erguidas barreiras no acesso à agua. Ou seja, piscinas devem ser sempre cercadas, mesmo que alguém ache que nunca vai acontecer nada.
Não há como se ter um salva-vidas em cada rio ou açude, e, mesmo no mar, o salvamento nem sempre é bem-sucedido. A prudência, portanto, deveria ser a tônica, mas o que se vê é uma cultura de ousadia que cega muitos para os riscos de afogamento. Um rapaz perde o pé e começa a gritar por socorro. Outros entram para ajudar e, sem saber como, por vezes também são tragados. Em segundos, vão-se mais vidas – pelo menos 20 no Rio Grande do Sul desde o início do verão.
O ciclo de mortes absurdas poderia ser aplacado se, combinado com uma cultura de segurança e responsabilidade, o ensino de natação fosse uma prioridade. Em alguns países, nenhum jovem sai da escola sem saber nadar. Ninguém espera que despontem piscinas térmicas e professores disponíveis de uma hora para outra no Brasil, mas é preciso espalhar uma cultura de segurança nas águas, nem que seja com lições teóricas sobre os riscos de afogamento.
Em 2024, repita-se, 5 mil brasileiros vão morrer no mar, em rios, lagoas e piscinas. Protelar, ignorar ou aguardar que ocorra um milagre não mudarão essa trágica perspectiva.