Nos anos 1990, refletindo sobre como governantes davam um jeito de driblar cobranças da imprensa e pressões dos cidadãos, editores de Zero Hora cunharam, para uso interno, a expressão “o governo vai” para definir o que devia ser entendido como enrolação pública para se livrar momentaneamente de um problema. Faltava água numa cidade ou num bairro? Lá vinha um anúncio: “O governo vai” fazer um investimento para solucionar o desabastecimento. Desabava um morro num temporal? “O governo vai” promover a transferência das famílias em situação de risco. E por aí ia – e ainda vão os governos desde sempre.
Se os governos vão mesmo, é outra questão. Em geral, acabam não indo, não ao menos conforme prometem durante surtos de populismo. Conhecedores da técnica governamental de se desvencilhar de chapas quentes, os editores de ZH passaram a dar mais foco jornalístico ao acompanhamento da promessa do que ao anúncio – e a atenção merecida quando um programa traz os resultados esperados ou uma obra finalmente é inaugurada, o que, em se tratando de Brasil, pode levar anos ou décadas.
Governos sob pressão recorrem a muitos anúncios, e o de Lula ainda está um tanto desorientado pela nova realidade política brasileira. Talvez por isso tenha se precipitado ao anunciar subsídios a carros movidos a gasolina sem um plano para tal. Resultado: as vendas de automóveis desabaram à espera do programa, em efeito contrário ao planejado. Quando o anúncio se materializou, viu-se que não era bem aquilo. Na prática, todo mundo vai pagar mais pelo diesel, ou pelo que ele transporta, para bancar a renovação de veículos de uns poucos. O tal subsídio era mais um legítimo “governo vai”, com confete e purpurina de sobra e escassos efeitos positivos.
Neste junho, aliás, comemoram-se os 10 anos de um dos mais célebres “governo vai” da história recente. Atribulada pelos protestos que incendiavam as ruas do Brasil, a então presidente Dilma Rousseff aplicou um “acalma-manifestação” com um pacote de medidas que previam estabilidade da economia, definição de corrupção como crime hediondo, investimentos de peso nos transportes públicos e uso de 100% dos royalties do pré-sal em educação. Nada se cumpriu.
Em grande parte das cidades, capitaneadas por aproveitadores, anarquistas e pela extrema esquerda, as manifestações trouxeram a reboque uma massa contra tudo e acordaram a extrema direita que viria a governar o país anos depois. Os protestos acabaram murchando pela violência dos black blocs, e o governo Dilma se esfarelou no impeachment. Mas as gestões de todos os matizes seguem vendendo as ilusões de que agora “o governo vai...”, o que não deixa de ser uma boa senha para a devida fiscalização das medidas por todos os contribuintes.