O tenente-coronel Mauro Cid tinha uma carreira brilhante. Primeiro colocado em duas das três escolas do Exército obrigatórias para se chegar ao generalato, deveria ser apenas questão de tempo que viesse a ostentar as quatro estrelas nos ombros, o posto mais alto da Força Terrestre. Filho e neto de generais, Cid seguia as pegadas familiares quando recebeu um daqueles convites tidos como irrecusáveis: ser o ajudante de ordens de um novo presidente.
Apesar da deferência, não deve ter sido uma decisão fácil para o então major e família, que já contemplavam uma temporada em missão nos EUA, onde ganharia em dólares e recolheria valiosa experiência internacional. O canto do poder soou mais forte e Cid trocou a discrição da caserna pela ribalta do Planalto. Como ajudante de ordens dedicado, ele se esforçava para que nenhuma distração comezinha, como a chatice de contas bancárias e intrigas entre empregados, desviasse o foco do chefe.
O patrão não era qualquer um. A seu lado, Cid frequentava palácios e testemunhava encontros com aliados e chefes de Estado. Na nova condição, Cid tinha acesso a conversas, lugares e circunstâncias nem sequer sonhados pelos demais mortais. O presidente gostava de confraternizar com Cid e outros militares de baixa patente da ajudância. Todos seguramente riam muito das piadas grosseiras do chefe. Nada demais. A sombra do presidente e sua desenvoltura fizeram de Cid um nome conhecido em Brasília. Desde o major Dias Dourado, o faz-tudo de João Figueiredo, há 40 anos, nenhum outro ajudante de ordens tivera tanta exposição.
Um oficial da sua estirpe não mente. A questão é quando, e o que acontecerá, quando começar a contar a verdade.
Quando o governo se aproximava do fim, eis que tarefas antigas passaram a ganhar urgência. Foi Cid quem despachou um sargento em avião da FAB para uma última tentativa de liberar na aduana de Guarulhos as joias milionárias sauditas presenteadas à primeira-dama. Também passaram por Cid e seu celular conversas comprometedoras para se fraudar o cartão de vacinação do presidente e sua filha de 13 anos. A encrenca é séria. Quem burla um documento do gênero para entrar em solo norte-americano e voltar ao Brasil fica enrolado nos dois países. Os EUA podem nunca mais autorizar a entrada de quem engrupiu sua autoridade sanitária.
O oficial de carreira outrora brilhante está agora detido em uma unidade militar em Brasília. Seu futuro é incerto. O antigo chefe, por quem fez tanta coisa e tantos riscos correu, lava as mãos e, como sempre, empurra responsabilidades. Surpreendentemente, não parece indignado que tenham envolvido até sua filha numa falsificação bisonha. Para quem despejava fogo por muito menos, estranha-se a ausência de revolta. Cid está sozinho, mas não se espera que abdique de um ponto de honra. Um oficial da sua estirpe não mente. A questão é quando, e o que acontecerá, quando começar a contar a verdade.