No auge da euforia com o Plano Real, em meados da década de 90, quando a cotação do dólar chegou a ficar abaixo de R$ 1, alguém notou que havia algo de muito errado no ar quando uma manteiga belga custava menos que a brasileira no supermercado. Dito e feito. Ao fim da década, sob efeito das crises asiática e russa, o câmbio artificialmente baixo implodiu. Acabaram as farras de enxoval em Nova York e de férias da família na Flórida mais em conta do que em Santa Catarina. Em julho de 2002, a cotação do dólar já beirava os R$ 4, o que equivaleria a mais de R$ 7 hoje.
Agora o câmbio é flutuante e vive relativa calmaria. Mas há de novo algo de errado no ar quando, com um clique, é possível se comprar na China um cesto de palha artesanal por R$ 38, incluído o frete. Cestos de palha não são peças de alta tecnologia. Na realidade, são fabricados em Pindorama desde antes do Descobrimento, mas nem nossos indígenas podem concorrer com a avassaladora máquina de exportação chinesa.
É conveniente e barato arrematar no camelódromo digital chinês qualquer artigo não-perecível – de roupas a acessórios para carros, passando por inutilidades impensáveis – mas é melhor não se iludir. Em economia, não há almoço grátis. Alguém ainda vai pagar pela festança de se adquirir um produto no outro lado do mundo sem pagar impostos e, portanto, por valores abaixo dos cobrados por lojistas brasileiros no Brasil. Aliás, parte da conta tem chegado na forma de crescimento econômico arrastado e desânimo para se empreender localmente.
Mesmo um anarco-liberal tem de se confrontar com o dilema de como bancar serviços de saúde, segurança e educação para quem não consegue contratar serviços privados. Assim como o comunismo não deu certo em lugar algum, a extinção do Estado, e dos impostos, sabiamente, não foi testada por nenhuma nação. Governos, aliás, não fazem plebiscito para que a população decida se deve pagar tributos – o resultado, obviamente, é o previsível, porque ninguém recolhe ao Tesouro o resultado de seu suor com alegria no coração. Mas a outra alternativa, um Estado exaurido, com serviços básicos destruídos e desagregação social, é a antessala do caos.
Vá lá que governos concedam vantagens fiscais para estimular setores econômicos a concorrer em pé de igualdade com benesses estrangeiras. Mas admitir imunidade tributária a importações que vão competir com o varejo nacional, das grandes redes à lojinha da esquina, que bancam empregos, aluguel e um cipoal alucinado de impostos e taxas, é ralo populismo fiscal. Uma hora, como no câmbio do Plano Real, o castelo nas nuvens implode.