Em cerimônias de posse, um clássico lugar-comum é a promessa de se governar para todos. Com sutis variações, os recém-empossados fazem juras de conciliação e repetem o mote da união dos governados. É uma posição meritória e louvável, mas pena que, na prática, não seja bem assim.
Em 2019, Jair Bolsonaro tomou posse no Congresso com o compromisso de “unir o povo” e “construir uma sociedade sem discriminação ou divisão”. Quatro anos depois, o país está partido ao meio. Houvesse governado de fato para além de sua bolha, Bolsonaro teria conquistado, no segundo turno, no mínimo os votos de Simone Tebet e, em vez de passear por supermercados na Flórida, estaria sentado agora no Planalto.
Lula demarcou sua terceira ascensão à Presidência com discursos de união nacional já bem antes da posse. Mas a influência concreta na divisão de poder – aquela que faz a cabeça do presidente na intimidade do gabinete – e a virulência dos ataques ao governo anterior sugerem que o “nós contra eles” seguirá martelando o cotidiano do Planalto na batida de sempre.
A realidade é que não se constroem governos de união com palavras e promessas vãs, mas com ações e, sobretudo, com a compreensão das motivações que movem as almas adversárias. Até hoje, Bolsonaro e apoiadores não conseguem entender por que muita gente que desgosta do PT votou em Lula no segundo turno. Bolsonaro não foi reeleito simplesmente porque sua rejeição – alimentada por falas e gestos de estímulo ao confronto – conseguia ser ainda maior que a de Lula.
E, enquanto Lula e seu círculo não assimilarem os fundamentos do voto bolsonarista, persistirão no mesmo passado de choque com os que pensam diferente. Para se aproximar da outra banda, Lula teria de pegar para si e tratar abertamente, ainda que em seu estilo, da punição a criminosos, da corrupção, do estatismo e do enaltecimento de polícias e das forças armadas, sem nem precisar incluir aí os chamados valores conservadores.
Como é difícil imaginar que esses temas tenham prioridade ou espaço na agenda lulista, não há por que se iludir. Lula já terá obtido um feito se evitar que o eleitorado moderado que o elegeu pule no colo do bolsonarismo aos primeiros solavancos. E, se alguém quiser reconciliação com a outra metade, deveria começar por reconhecer erros, sem terceirizar responsabilidades – o que nem Bolsonaro e nem Lula, ressalve-se, algum dia mostraram alguma disposição.
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Como o jornalismo vive de buscar a precisão e reconhecer erros, vai aqui uma correção a um equívoco primário que cometi na coluna passada, quando troquei o que deveria ser “algoritmo caça-níquel” por “logaritmo caça-níquel”. Aos leitores que identificaram e apontaram o tropeço, meu muito obrigado!