O russo médio é um cidadão de bem. Ele é como a imensa maioria da humanidade. Tem família, se esforça no trabalho, é solidário nos momentos difíceis. Mas o russo médio apoia um criminoso de guerra, o autocrata que invadiu uma nação indefesa, avaliza bombardeios de prédios residenciais e faz vistas grossas a atrocidades, entre as quais assassinatos em massa de civis e estupros perpetrados por seus soldados.
Pesquisas razoavelmente confiáveis dão entre 59% a mais de 80% de aprovação a Vladimir Putin na sua “operação especial na Ucrânia”. O russo médio apoia Putin pela mesma razão que o alemão médio apoiou Hitler e o italiano médio, Mussolini: ele acredita no que o governo lhe diz. E o que o governo diz ao cidadão médio é que há um grande perigo lá fora que ameaça seu estilo de vida e que ir à guerra é, portanto, a defesa de sua família. O cidadão de bem médio, por ingenuidade, boa-fé ou pelo efeito rebanho, crê no que ouve, vê e lê numa imprensa domesticada ou censurada e nas redes sociais manipuladas.
Sem enxergar por detrás do biombo que oculta a verdade, o cidadão médio teme levantar dúvidas e, assim, ser considerado desleal, um sabotador dos esforços do governante que se apresenta como divisor entre o bem e o mal. Na adolescência, morei na Alemanha, apenas três décadas após o fim da Segunda Guerra. Ou seja, alemães então com pouco mais 50 anos haviam vivido a guerra aos 20 e tantos. A muitos, professores inclusive, eu perguntava por que o povo alemão apoiara um monstro e não se levantara contra Hitler. As respostas apontavam em uma direção: porque ele havia restaurado o orgulho do povo alemão e prometia proteger as famílias. E os judeus que desapareciam da vizinhança? Diziam meus interlocutores que achavam que eram separados para não ameaçar o esforço de guerra e atribuíam os rumores sobre campos de extermínio a agentes a soldo do inimigo. Estavam cegos, como os russos hoje.
Voltemos aos governos atuais de teor autoritário e populista que se proclamam salvadores da pátria. Em pleno 2022, não é mais possível esconder as imagens de carnificinas e de cidades em ruínas. O que faz então esse governo? Usa sua imprensa dócil (o oposto daquela que os apoiadores desses autocratas chamam de lixo quando denunciam seus malfeitos) para mascarar a realidade. Há corpos de civis espalhados pelas ruas de Butcha? Fake, são atores, apregoa a TV estatal russa. Um hospital e uma estação de trem com refugiados foram bombardeados? Culpa da artilharia ucraniana, sustentam pseudojornalistas a serviço do Kremlin.
No Brasil, também temos cidadãos de bem que creem em tudo o que governos dizem. Só que aqui há uma enorme diferença. A imprensa ainda é livre, e o Judiciário e o Congresso, ainda independentes. Mas precisamos regar constantemente essa liberdade, antes que um dia também venha a ser tarde demais.