Em todo esse imbróglio que derrubou o agora ex-ministro da Educação Milton Ribeiro fica parecendo que o problema reside em fissuras morais de alguns ocupantes de cargos. Não é, ou melhor, essa não é a principal origem das trampolinagens com dinheiro público em Brasília. São o modelo de governança tortuoso e as práticas do politiquismo mais primitivo que fazem a festa dos trambiqueiros.
Vamos lembrar aqui o que, com muita precisão, identificou o ministro Paulo Guedes em seu entusiasmado discurso de posse. Os bancos públicos, disse ele, “se perderam nos grandes programas onde piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político se associaram contra o povo brasileiro”.
Belas palavras. Pena que as criaturas sigam se esbaldando no lodaçal, porque aos desvios por onde sempre se moveram os fundos da educação e da saúde, entre tantos outros, se somam agora um engordado fundo eleitoral e um tal de orçamento secreto no qual se penduram emendas parlamentares.
Em Brasília, mudam as siglas e os governos mas nada muda porque o sistema está concebido para só funcionar com o azeite do centrão e de intermediários que, tal qual moscas varejeiras, farejam montanhas de verbas disponíveis para negociatas. Os atravessadores se valem de um modelo público que faz do favor pessoal uma política de Estado para, sem o menor pudor, voejar sobre o dinheiro das vacinas na maior calamidade brasileira do século ou para transacionar recursos destinados a dar um futuro digno às crianças.
A noção de um Estado republicano que repele e expurga os interesses particulares está tão em baixa que os cobradores de pedágio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) não subornavam prefeitos em um balcão de negócios em que todos metiam a mão. É quase inacreditável, mas os prefeitos eram extorquidos por dois pastores que flanavam pelo Planalto para só assim conseguirem construir escolas e creches em seus municípios.
Chegamos, portanto, ao extremo do modelo de Estado inchado e carcomido. Para fazer obras de interesse público, é preciso pagar a intermediários privados que, então, dão um jeito de liberar a verba pública.
Na campanha, o presidente Bolsonaro gostava de recitar outra frase bonita de Paulo Guedes: “Precisamos de mais Brasil e menos Brasília”. Mais uma patranha, porque porque segue viva e faceira a ideia de que verbas públicas são benesses a bel-prazer de inquilinos do Planalto que as liberam de acordo com suas vontades e interesses pessoais. Esperemos, pois, sentados: trambicagens do gênero só vão acabar quando prefeitos e governadores nunca mais tiverem de viajar a Brasília, ou precisarem correr o pires entre parlamentares, para construírem uma ponte ou escola.