Na guerra, as cenas mais devastadoras são as de soldados e civis mortos numa brutalidade impossível de se assimilar, mas, muito além do sangue derramado e da devastação de cidades, um conflito como o da Ucrânia produz incontáveis dramas que passam quase despercebidos à luz da dimensão da catástrofe.
Os noivos de casamento marcado e festa contratada que se veem apartados de um instante para outro. A caloura de medicina que se preparava para o início do curso e viu sua faculdade fechar. O funcionário que recebera a promoção pela qual tanto ansiara antes de o supermercado em que trabalhava ser destruído. O casal que juntara as economias e abrira a lanchonete dizimada por uma bomba. O agricultor que não pode semear a terra de seus ancestrais.
Anônimos, os microdramas se acumulam com os refugiados que chegam aos países fronteiriços da Ucrânia em uma procissão aflita por segurança. Até esta semana, nada menos que 4,3 milhões de ucranianos haviam deixado o país, dos quais 2,6 milhões para a Polônia. É como se uma Varsóvia e meia brotasse de uma hora para outra, sobressaltando a rotina e a economia dos poloneses.
Em circunstâncias assim, não raro refugiados são alvo de rancor e de desprezo dos locais, que enxergam nas levas de desesperados apenas mais um adicional de problemas para os serviços públicos. Não na Polônia, que, a par da heróica página de resistência dos ucranianos, escreve um capítulo de honra no compêndio de solidariedade da humanidade. Ali, famílias são recebidas com alimentos por voluntários, crianças com câncer e diabetes retomam seus tratamentos. O impacto dos refugiados vai custar pelo menos 2 bilhões de euros à Polônia, mas não se ouve por lá aquele chororô de alguns egoístas contra venezuelanos que escaparam da desgraceira do chavismo para buscar refúgio em países vizinhos, Brasil inclusive - aliás, com exemplar acolhida pelo Exército em Roraima.
Refugiados são um desafio mundial para as terras em abrasão. Milhões se deslocam todos os anos em busca de uma salvaguarda para os conflitos que deixam para trás. O melhor nestes casos, como ocorre na guerra da Ucrânia, é que eles sejam abrigados em países vizinhos, de modo que possam manter algum grau de identidade cultural e voltar a suas casas se e quando seus países natais retomarem a normalidade.
Violentados pelo nazismo alemão e apunhalados pelo comunismo russo, os poloneses compreenderam como poucos que, na hora da tragédia, não se contam tostões e nem se vira o rosto para os desesperados. Graças à Polônia - mas também à Eslováquia, à Hungria, à Romênia e mesmo à modesta e carente Moldávia -, muitos dos dramas provocados pela invasão russa poderão ser temporários. E assim milhões, quem sabe, terão uma chance de recuperar seus sonhos e reencontrar suas vidas anteriores.