No sábado passado (19), a Folha de S.Paulo publicou uma resenha ácida e inteligente, escrita pelo Luiz Maurício Azevedo – por sinal, Açorianos de Literatura na categoria crônica, com o livro Por uma Literatura Menos Ordinária (editora Figura de Linguagem). (Outra grande figura da redondeza, o Jandiro Adriano Koch, ganhou o Açorianos de ensaio e também o de livro do ano, com seu O Crush de Álvares de Azevedo, da editora Libretos.)
A resenha trazia marcas que o texto do Luiz Maurício costuma apresentar. Além de crítica, mobilizava várias dimensões do problema enfocado, desde a superfície do enunciado do livro em questão (não importa aqui qual era) até as profundezas do debate antirracista de nossos dias, passando pela teoria da literatura. Por todos os níveis considerados, para a resenha o dito livro não tinha qualidade.
Foi o que bastou para o autor da resenha ser alvo de incontáveis ataques, nas redes ditas sociais. Não sei ao detalhe, mas consta que até ameaça velada de morte apareceu. Por uma resenha.
Nunca passei por isso, mas não posso alegar inocência no campo, porque também já conheci uns apertos nas mesmas redes por haver dito uma coisa e outra em entrevista ou em texto meu. Uma geração atrás, um bololô assim seria chamado de "polêmica"; agora, com ataques pessoais e ameaças, como nomear?
A crítica literária é uma arena restrita, acessada por uma fatia mínima de gente, que de saída precisa considerar que o debate literário valha a pena. Mas não importa, porque ela é uma fração (modesta) do grande debate da opinião pública, este absolutamente imprescindível para uma sociedade decente.
É claro que o que ocorreu com o Luiz Maurício faz parte da lógica atual, de anulação, cancelamento, como se chame. Essa lógica que não reconhece humanidade no oponente, e portanto se sente à vontade para tratá-lo como um cachorro sarnento (desculpem a evocação dessa antiga comparação, que agora talvez se converta também ela em motivo de cancelamento).
Temos um país inteiro a reconstruir, depois da fúria criminosa que nos governa em Brasília. Meio ambiente, pesquisa, ciência, relações internacionais, educação, assim como indústria nacional, política decente para o funcionalismo, tudo isso vai precisar retomar um patamar adequado, com muito esforço nosso.
Assim também a crítica literária.