Uma velha quase-fábula do jornalismo fala de dois sujeitos discutindo ferozmente: um afirma que está chovendo, o outro diz que não está. Se precisar, um mata o outro para triunfar. A resolução sábia diz que o jornalista, um terceiro nessa polêmica, não tem que apenas ouvir esses dois lados: tem que ir lá fora ver se chove ou não, para dizer o resultado com clareza.
Tomando ainda mais distância intelectual da disputa, o cientista social e o historiador poderão dizer que nunca há apenas dois lados em qualquer questão: a redução a dois é uma comodidade Gre-Nal, a que nós gaúchos tanto nos acostumamos, mais para mal do que para bem. Mas a polarização extremada pode também ser uma esnucada histórica, que não deixa muita alternativa: o senhor escolhe a carótida a ser chupada ou o vampiro que vai chupá-la? O senhor solta Barrabás ou Jesus?
Mas deixa a esnucada fora da conversa, para prestar atenção a um livro que merece ser conhecido e que, pelo que vi, passou batido no debate público, lamentavelmente. É Brasil, Paraíso Restaurável, de Jorge Caldeira, Julia Marisa Sekula e Luana Schabib (editora Estação Brasil, lançado em 2020). Jorge Caldeira é um calejado jornalista com formação em pesquisa séria, Julia é economista e Luana é jornalista. O resultado desse encontro é animador.
A tese está no título – tem como consertar a economia e a vida brasileiras, no quadro da atual crise climática. O olhar dos autores vai para o presente, mas o livro acompanha séries históricas de dados, tanto de história da colonização do Novo Mundo, com recuperação de elementos da visão de mundo das populações nativas daqui, quanto quadros, por exemplo, de emissão de CO2 de 1850 para cá, por região do globo. As fontes são quentes – universidades, instituições multilaterais e mídia especializada (como a revista The Economist), e o texto é um primor de fluidez, da frase singular à estrutura dos capítulos, sempre breves ao ponto, alcançando o conjunto do livro, que se lê com verdadeiro prazer intelectual – e certo desgosto pelo horror que já está feito.
Mas tem o lado otimista, que vem desde o título. Os autores argumentam com dados críveis que, salvo um Trump ou um Bozo, abertamente ecocidas, e enfrentado o mito do crescimento infinito, que não faz sentido, temos o que fazer e como fazer. Lembra, por exemplo, de uns 20 anos atrás, antes do pré-sal, quando o Brasil espantou o mundo com o volume que conseguia projetar produzir em biodiesel e energias renováveis em geral? Pois é, é disso que se trata: a ideia de que por dentro do mercado (de papéis, de pesquisas, de gente) é possível encontrar saídas.